segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

esvaindo-me em tascos por aí... desfaço-me de mim a cada encontro... crateras que não regeneram, uivos lancinantes de dor.. eco infinito

e ao fim, apenas uma carcaça carcomida.

carcaça feliz e saudosa.

EG

sábado, 26 de dezembro de 2009

"Por tua causa desespero e morro..."

.
"Por que Mentias?" de Álvares de Azevedo
poema declamado por Gabriel Braga, em novela da Record

Via Laís Azevedo, Blog Literatura em Foco




"Eu morro."

REPUBLICANDO

.
VENTANIA,
bateu de novo e te arrastou de vez...
.
Por gigantescas
arenosas montanhas
tortuosas escaldantes
do deserto amarelado
que por séculos caminho
- com SEDE,
- com FOME,
vislumbro
bruxuleantes oásis
AluCinógEnoS
de carinho.
Refrescantes
tendas de amizade
- e bem querer,
onde imagino
poder

aliviar a secura
repousar
cética mortalha,
cansada
- há tempos abatida.

Mas logo
a repugnante realidade

na figura de
implacável furiosa
tempestade
pra longe
me arrasta
da visão enganosa
- desfaz-se desejosa fantasia...

Chicoteia
meu corpo
Impiedosa!
- sarcástica, cínica
num ciclone
de ventos cortantes
que dilaceram

meus fios de esperança

Lábios descamados, garganta ferida...

retomo minha sina.

E por mais mil séculos
carrego
esses ásperos
malditos
grãos de areia da verdade
que me arranham,
- incômodos
entranhados
nos póros

cabelos e olhos
Na boca.
Nariz e ouvido.

Na miserável ínfima frágil estima.

EG

Publicado originalmente em 11/05/2009.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

TIRANA

.
sem alma
sem trono
sem coroa
nem graça
nunca-louvada
e já muito vivida
Só lembranças
de reinados
antigos
que vertidos
em prosa&poesia
me preenchem
em retalhos a vida

Se me proibem
a rima que
escorre sofrida
quem sou eu?
Diga...
- miserenta
- maldita
que SÓ de
passados
suspira

Vai
Me deixa em paz!
Não sou como tu!!!
De garras certeiras
realeza da vez
poderosa e feliz!
EGOÍSTA!!
Pois todo tesouro de mil terras
O mais precioso entre as preciosidades
- o amor do meu amor...
em tuas torres
de muralhas-virtudes
já enclausuraste!

O que queres ainda
de uma rainha
em farrapos
sem manta
e deposta?
Ergue teu cetro
TIRANA!
Lê teu decreto
Imploro...
Por tua
loura coroa!
Me curvo em joelhos,
se é teu desejo
teus pés até beijo
Criatura cruel em pele
de santa,
- aos olhos dele
perfeita!
Ateia
tua brasa ardida
no lombo
de pobre-diaba
que tua tão graciosa
felicidade real
incomoda...

Melhor o ferro!
o fogo!
Antes perfures meu olho!
Do que queimar meus castelos,
- de saudades...
Do que estancar o meu berro
ou impedir-me que o ame
Do que calares meu
VERSO

Amar & Versar
sinto, vil majestade
são súditos meus!
não me podes pilhar
é tudo que tenho
é todo meu reino

É SÓ
o que prezo

EG,
Set/2009

PERU DE NATAL

– e o despertador massacra às 4:30 da manhã. Abre os olhos. As pálpebras pesam. Um dia inteiro pela frente. Aterrorizante a ideia. O aluguel vence hoje e ela só tem parte do dinheiro. Faz força pra se arrastar até o banheiro. Sente-se só. Sem esperanças. Vontade de chorar. Acabou o leite. Mas ainda tem o café, o açúcar e algumas baguetes. Macarrão, feijão e uma saladinha pra ceia de hoje. Então ainda está tudo bem... Sorri e já consegue caminhar. Lembra que seu filho precisa de um atlas. O livro de Geografia que distribuiram esse ano veio com dois Paraguais! E veja só, sumiram com o Equador! Sente-se humilhada... DECIDIDO. Vai dobrar o turno de hoje...

EG

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

REMEXENDO BAÚ (III? IV?)


Foto: Forca
Autor: Rui Miguel F. Coelho

CORSÁRIA
--
Corsária facínora
do gélido sangue
e vestes tão rotas
Invade baía
e escala
muralhas
do teu
frágil forte
pra odiosa
usurpar do
teu prazer
toda sorte
.
Mas caso abatida
é logo atirada
em fétida
úmida
desprezível
masmorra..

Enquanto a carcaça
pelas valas escoa,
o coração da pirata,
ao contrário, gargalha!
Cínico e feliz
E até descompassa...
- arrepender-se jamais!
É livre!
Nas gloriosas lembranças
de pilhagens das boas
de escalpelos sangrentos
dos saloons, das contendas
das certezas ao mar!
das goladas de rum

Na escuridão solitária
- desprezada
em tua cela avarenta
por meses a fio
a alma corsária
saboreia
o gozo
outrora usurpado
- Louca!
segue aguardando
e brindando,
qualquer que seja
seu fim:
paredão excitante
de fuzilamento
ou a mais doce
sedutora
libertária
de tuas-tão
temidas forcas
.
EG
Publicado originalmente em 23/06/2009

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

outro

.
você É
quem diz
SER??
e
de QUEM
é
esse SONHO??

você É
de fato
VO
??
ou seria...
o OUTRO??

o CRUEL
o lascivo
o desejoso...

-------------------------------------

Então vai!
Segue assim pensando
crente ser
melhor
que um cão
um cão RAIVOSO

Melhor
Queo
leproso
da esquina
- que abominas

Espera então
Que te ataquem a
MA-tilha
que te furem os olhos
que te cortem a língua
que te roubem os sonhos
que te matem o filhote

RAQUÍTICO!
De tripas vazias...

Espera até
que te
queimem
as ENT-RANHAS
que te escorra
a sa-liva
libidinoso...

Espera então
E verás
esse
OUTRO

EG

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Peço licença ao 'Texto'... A seguir, a 'Imagem' - na mais comovente e poética expressão da SAUDADE


.
SAFO, Fragmentos de um Poema
Tradução de Joaquim Fontes

"Oh, isso - isso só - é bastante
para ferir-me o perturbado coração, fazendo-o tremer
dentro do meu peito!
Pois basta que, por um instante, eu te veja
para que, como por magia, minha voz emudeça;
sim, basta isso, para que minha língua se paralise,
e eu sinta sob a carne impalpável fogo
a incendiar-me as entranhas.
Meus olhos ficam cegos e um fragor de ondas
soa-me aos ouvidos;
o suor desce-me em rios pelo corpo, um tremor (...)"

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

REVIRANDO O BAÚ II



Série Sonhos de Criança
.
Poema publicado dia 4 de Março de 2009.
A propósito, uma sugestão muitíssimo querida:
El Tango de Roxanne, Moulin Rouge...

LA MUERTE


Sapatos de verniz
Pretos reluzentes

Pés que rodopiam...

Colam e descolam,
Colam...

e descolam

Rodopiam!
Deslizam...

Arrastam em meia-ponta
Arranham chão madeira
Rabiscam tortuosas curvas
Reforçam longas ranhuras

Meias pretas
Risco desponta
do tornozelo
Reto
Rumo ao infinito...
Cruza pantorrilha
Rígida!

E Juan D'Arienzo envolve
Visceral
Direto ao coração
El acordéon que suspira...
Quase sem fôlego
Rodopio!
E ela se aproxima
Rodopio!
E perfume que inebria...

Quadril voluptuoso
Do vértice lateral do vestido
segue côncavo da cintura
Glamuroso peito inflamado
A projetar-se para frente
Linha imaginária
com perna esquecida para trás,
Logo é puxada de volta
- e sofre!
Não quer voltar...

E o pescoço esguio...
Envolto em pérolas pálidas
Rodopios!!
Autoritário queixo
que dita as ordens!
E precipita os movimentos
Forte.
Pero que flutua...
A media luz...
Miseráveis mortais
e suas tristes sinas
Inexorável destino
Bonecos de cera
De mandíbulas arriadas...
E respiração suspensa

E agora o violino!
Que chora dor tão fina
Lamuriento!
Inconsolável
Por insignificante inseto
Entrelaçado
nas teias perigosas

Ainda há a rosa esquálida
trincada entre dentes
Semi desfalecida
Então não sabe se implora por liberdade
Ou por cruel-delicioso desfolhamento
doloroso
Lento...

Rodopio!
Rodopio!
Outro!
E outro!
Ela o tem a sua frente!
Olhos nos olhos.
Isso já é demais!
Coração dispara
Sangue congela
O frio pela espinha...
Esse olhar-punhal
envolto em sombra
esfumaçante
Uma lágrima escorre...
La dama padiece...
Ah... a consternação...
O golpe de misericórdia!

É chegada hora
A derradeira
Ao som de Juan D'Arienzo
Destinos selados
Irremediável
Dados atirados
La pasión...

A sorte é lançada.

EG

Homenagem ao Dia do Tango. Salve Gardel!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Salve Poe!

O CORVO, Edgar Allan POE. Tradução em prosa de Helder da Rocha (texto originalmente em verso: THE RAVEN)
.
Numa sombria madrugada, enquanto eu meditava, fraco e cansado, sobre um estranho e curioso volume de folclore esquecido; enquanto cochilava, já quase dormindo, de repente ouvi um ruído. O som de alguém levemente batendo, batendo na porta do meu quarto. "Uma visita," disse a mim mesmo, "está batendo na porta do meu quarto - É só isto e nada mais."

Ah, que eu bem disso me lembro, foi no triste mês de dezembro, e que cada distinta brasa ao morrer, lançava sua alma sobre o chão. Eu ansiava pela manhã. Buscava encontrar nos livros, em vão, o fim da minha dor - dor pela ausente Leonor - pela donzela radiante e rara que chamam os anjos de Leonor - cujo nome aqui não se ouvirá nunca mais.
.
E o sedoso, triste e incerto sussurro de cada cortina púrpura me emocionava - me enchia de um terror fantástico que eu nunca havia antes sentido. E buscando atenuar as batidas do meu coração, eu só repetia: "É apenas uma visita que pede entrada na porta do meu quarto - Uma visita tardia pede entrada na porta do meu quarto; - É só isto, só isto, e nada mais."

Mas depois minha alma ficou mais forte, e não mais hesitando falei: "Senhor", disse, "ou Senhora, vos imploro sincero vosso perdão. Mas o fato é que eu dormia, quando tão gentilmente chegastes batendo; e tão suavemente chegastes batendo, batendo na porta do meu quarto, que eu não estava certo de vos ter ouvido". Depois, abri a porta do quarto. Nada. Só havia noite e nada mais.
.
Encarei as profundezas daquelas trevas, e permaneci pensando, temendo, duvidando, sonhando sonhos mortal algum ousara antes sonhar. Mas o silêncio era inquebrável, e a paz era imóvel e profunda; e a única palavra dita foi a palavra sussurrada, "Leonor!". Fui eu quem a disse, e um eco murmurou de volta a palavra "Leonor!". Somente isto e nada mais.

De volta, ao quarto me volvendo, toda minh'alma dentro de mim ardendo, outra vez ouvi uma batida um pouco mais forte que a anterior. "Certamente," disse eu, "certamente tem alguma coisa na minha janela! Vamos ver o que está nela, para resolver este mistério. Possa meu coração parar por um instante, para que este mistério eu possa explorar. Deve ser o vento e nada mais!"
.
E.POE
.
.
Quadrinhos de Luciano Irrthum, para o poema "O Corvo", com tradução de Machado de Assis, a ser lançado esse mês pela editora Peirópolis. Fonte: Blog Zine Brasil

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Remexendo o baú: DECLARAÇÃO DE AMOR

.Publicado em 26 de Fevereiro de 2009.

Um favor?
Morre.

E poupa-me da tua
presença cretina
Dos caramelos hipnóticos
Dilacerantes!
Do meu ódio faminto,
do meu tesão salivante.
E daí que o pau é teu!?
Se ele não for capaz
de preencher minha
ânsia,
que sirva ao menos
aos vermes lascivos
Que rastejarão por teus
escrotos
corroendo tuas verdades
Carcomendo a
arrogância.
Morre vai!
Antes que o serviço
eu mesma faça

Com lágrimas nos olhos...

cravado na mandíbula
servido em pedacinhos
sorvido em único gole

Por favor, amor...
Morre.

EG

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Noite de Natal


Storyline
.
É véspera de Natal num café (bar) vazio e uma mulher misteriosa e solitária chega para um provável encontro. É pertubada por um bêbado inconveniente, vestido de papai-noel. Depois de fumar e beber muito, descontrolada, deixa o bar.

Personagens: Mulher, Bêbado e Barman.

Inspirado na música “Red Shoes by the Drugstore”, de Tom Waits
.
TRATAMENTO 2

1 - INT. CAFÉ - NOITE

Interior de um café vazio, decorado com enfeites de Natal; um blues toca. Do lado de dentro do balcão, o barman limpa uma taça com um pano branco.

Um mulher entra. Ela é jovem, morena, bonita, muito maquiada. Usa uma capa de chuva e sapatos vermelhos. Fecha seu guarda-chuva. Tira sua capa de chuva e os coloca no cabideiro ao lado da porta. Caminha em direção ao balcão.

Senta-se no balcão, abre a bolsa e tira um pequeno estojo de maquiagem. O espelho está quebrado. Confere a maquiagem e retoca o batom. Retira um cigarro da bolsa; que é aceso pelo barman. Olha apreensiva na direção da porta. Confere a hora no seu relógio de pulso e começa a fumar seu cigarro - cruza as pernas. Sapatos vermelhos.

O barman põe um cinzeiro a sua frente, chacoalha uma bebida; despeja o líquido num copo. Coloca o copo com a bebida próximo ao cinzeiro.

A mulher termina de fumar o cigarro. Apaga o resto no cinzeiro. Retira da bolsa uma caixa de presente, com uma fita vermelha. Coloca a caixa em cima da mesa e fixa o olhar na caixa.

Tic-tac de relógio.

A porta abre. Mulher olha apreensiva para a porta. Um homem gordo, vestido de Papai Noel, bêbado, entra cambaleante no bar. Molhado e com a fantasia descomposta, traz em uma das mãos o saco vermelho e na outra, uma garrafa de bebida. Mulher decepciona-se ao ver o homem de Papai Noel. Acende outro cigarro.

Papai Noel bêbado aproxima-se do balcão. Pede uma bebida ao barman. A bebida é preparada. O bêbado incomoda a mulher; irritada, ela o empurra.

O Papai Noel é reeprendido pelo barman, que lhe entrega a bebida e faz sinal pra que se afaste. O Papai Noel afasta-se e senta-se em uma das mesas.

Tic-tac de relógio.

A mulher acende outro cigarro. Chora. O barman lhe prepara outra bebida. Ela apaga outro cigarro no cinzeiro.

A mulher checa o relógio; olhos vermelhos e maquiagem borrada. Desespera-se.

Cambaleante, Papai Noel bêbado levanta-se da mesa, e, inconvenientemente, aproxima-se da mulher outra vez. A mulher abre a caixa de presente, retira uma pequena pistola prateada, levanta-se e atira várias vezes.

Papai Noel bêbado cai no chão, ensanguentado.

A mulher sai porta fora, cambaleante.

EG

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Inspiração para a Sexta...

Dante e Vigílio nos portões do Inferno
Gravura para A Divina Comédia (Dante Alighieri)
Por: William Blake


Núpcias do Céu e do Inferno, WILLIAM BLAKE (1757-1827), Tradução: Alberto Marsicano


"Mas antes de tudo, a noção de que o homem tem um corpo distinto de sua alma será abolida. Isto consiguirei através do método infernal, cujos ácidos corrosivos, que no Inferno são saudáveis & terapêuticos, ao dissolver as superfícies visíveis, revelam o Infinito antes oculto.

Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa apareceria ao homem como é, infinita.

Pois o homem se enclausurou a tal ponto que apenas consegue enxergar através das estreitas frestas de sua gruta."

W.Blake

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

25 de Novembro...

- Enquanto ouvia as atrocidades que iam sendo narradas, a delegada olhava pros hematomas em seu rosto, que a desfiguravam. O olho esquerdo mal conseguia abrir. Alguns dentes arrancados da boca. Apesar de presenciar diariamente esse tipo de cena, era sempre como se estivesse vivenciando pela primeira vez. Os sentimentos de revolta, indignação, impotência, eram sempre tão intensos como no primeiro depoimento. As histórias daquelas mulheres colavam em sua mente, uma a uma. Às vezes se questiona se não teria sido melhor seguir na área trabalhista... Bom, pelo menos o covarde não saiu impune. Aquela figura franzina ali sentada e suja de sangue, chorosa, semi analfabeta, de cabeça baixa, olho roxo e coração partido, não era uma vítima (ré?) comum. Cansada de contínua humilhação, dessa vez não deixou assim tão barato. Que o digam o covarde e suas partes íntimas - bêbado-filho-da-puta! E ela jamais seria capaz de condená-la...
EG

domingo, 22 de novembro de 2009

GUERREIRO II


Foto: Turva
Autor: EGibson
Dez'07, Rio Amazonas sob luar, Macapá-AP


...é chegado o dia
em que
o GUERREIRO
se curva.
Diante um sol
que lhe derrete
a armudura
- outrora perene

Que tal sol
generoso,
não te derreta
a bravura

Que te
sacie
toda
sede,
te acalente
as agruras

E frente ao
inimigo,
não te
ofusque
os olhos!

Que te
pegue
no colo...

Que reluza
à altura
dos teus sonhos...
e luta.

Meu coração em prantos
que em tua mão
pulsa,
sorri
e torce por ti,
meu guerreiro-guri


Segue avante!
E de agora em diante
se houver em tua vida
única noite
sombria
olha pro alto
e te farei um afago

e te darei companhia
- TUA PUTA SOTURNA,
Pra sempre SÓ,
Pra sempre TUA,
sem brilho
sem estrela
Por ora minguante
Por ora,
ainda turva.


Elke Gibson

domingo, 15 de novembro de 2009

SURFISTA AMADOR


Foto: Lágrimas
Luis Palma Féria
..
..
Na primeira vez que ELA me derrubou foi algo indizível. Mal sabia eu que era possível ser traspassado de maneira tão cortante e poderosa, que pudesse virar a pele do avesso e me arrastar por aí exposto como um caracol sem a casca, à mercê das intempéries de uma existência que de qualquer outra forma não teria razão de ser, sendo, tão somente por nos terem dito que assim era preciso. Iniciou com um murmúrio, rodeado por silêncio. Devolvido por mim com um soluço engasgante que me dificultava muito a respiração. Uma desolação de pensamentos preenchido por um vácuo pesado. Era eu sentado em minha prancha habitado por ausências em meio àquele gigante azul, instintivamente à espera DELA. Talvez por tendências suicidas, dei braçadas nervosas em direção ao murmúrio, impulsionado pelos espasmos dos meus soluços, ou mesmo porque algo me sinalizava que estar cara a cara seria a melhor, única e extraordinária forma de sobreviver, já que não havia rota de fuga. E eu deslizei ausente de mim e tenso, enquanto percebia todo o resto recuando, sem saber exatamente onde aquilo daria e o que estava prestes a enfrentar. Então ELA se desenhou num horizonte que a cada segundo encurtava um pouco mais. Vi o paredão – confirmação de minha pequenitude humana. Como tudo ao meu redor, meus sentidos também recuaram até ficarem imperceptíveis, só me restando os soluços, os batimentos acelerados e o gosto salgado na boca – já não comandava os movimentos, e num esforço titânico tentava ficar em pé, caótico e trêmulo na escuridão projetada pelo meu inconsciente, apagando os raios do sol cujo o brilho todos juravam soberano, sempre no alto de tudo. Foi quando ELA me alcançou. Mal posso descrever o que foi estar pela primeira vez dentro dela. Entubado numa espuma raivosa e engolidora que me lançava, minúsculo, em todas as direções. A prancha sob meus pés ao invés de estar ali em meu socorro me dando firmeza e sustentação, naquele momento mais pareceu algoz do que salvadora, pois me carregava numa velocidade impossível de dominar. A coisa se dava desta maneira - absolutamente nada eu podia controlar e ao mesmo tempo nada podia ser tão poderoso. Então caí levando a soberba junto, rodopiando em parafuso rumo às profundezas. Pequenos vislumbres de minha desgraça em forma de corais brilhantes e coloridos. Sem poder respirar e com pulmões aguados, senti a força do impacto na cabeça e também nas pernas e braços. Costas, rosto. Coração e estima. Esfolado na pele que já pelo avesso estava, continuei meu mergulho rumo à inexorável visceralidade, deixando pra trás meu próprio sangue como evidência de minha passagem nesse mar habitado por seres incompreensíveis.

Muito tempo se passou desde minha primeira vez. Hoje já sei bem o que me espera ao ouvir o murmúrio, mas tenho aprendido a compor junto com ELA, já que não é mesmo possível estar em terra firme, sentado, contemplativo, em segurança junto a tantos afortunados. Descobri que minha pequena e insignificante mão composta de tão frágeis dedos, ao tocá-la só bem de leve, como leme, me ajuda a manter algum equilíbrio me dando uma direção dentro desse turbilhão que me quer sempre esmagar. Já dá pra rabiscar no ar algumas manobras dignas de admiração, assistidas pelos afortunados lá da areia. O contato com os corais e rochas ficaram menos frequentes. Já nem sempre me sucede um rastro salgado de sangue.

EG

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Mimo de um Amor Incondicional

O boy lhe entrega o pequeno pacote. No cartão está escrito:

"A você, meu eterno puto...

Se eu pudesse,
e você deixasse
te enviaria mimo
que também lambuzasse
mas quente e molhada
embrulhada de presente
com um laço,
um cartão

e meu amor em desapego

e ficaria daqui
a imaginar
teu deleite...

Por enquanto,
só vai chocolate"

Naquela tarde não conseguiu terminar seus relatórios.

EG

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Coleções de Infância

Caminhava descalço
- ele e seu brinquedo
por vielas esburacadas
sacudindo sua pet,
o pivete,
catava todas que via...
Zunia!
"mais uma pra coleção",
o guri matutava...

SORRIA

Mas logo a mãe berrava
"pra casa!
moleque de miolo mole
pensa que é de aço?
tiro não escolhe
"
E o moleque corria...
Sua garrafa
recheada
das cápsulas
que catava
ao redor do seu
portão

Até que
belo dia
completou
a coleção
CATOU A ESPECIAL
Mãe gritou!
"ô moleque desobediente"
já não ouvia!
já não catava!
- já não sonhava
pra nossa ruína
pra nossa humana desgraça
essa não guardou na pet
Essa ele levou no
PEITO
Dessa não correu não.

EG

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Comemorações

Eles se amavam acima de tudo. E aquela noite seria uma comemoração especial, dez anos de uma união harmoniosa e feliz... Às vezes ele gostaria de ser um pouco mais gentil e atencioso, como é o desejo de tantas mulheres, mas as agruras da vida e uma criação militar fizeram dele aquele ser rude, pouco dado a afetações românticas; dificuldade que ele procurava compensar com extrema lealdade, dedicação e respeito - era assim que demonstrava seu carinho e afeto. E mesmo não sendo exatamente um poço de gentileza, sua amada estava ali, pronta pra reafirmar sua predisposição em passar mais uma década ao seu lado, mais um século se pudesse. Sempre tão apaixonada... Ela havia comprado uma lingerie nova pro momento especial, peça da nova coleção primavera-verão. Ele a serviu com mais uma taça daquele vinho chileno que tomaram no seu primeio encontro. Rascante, como era do agrado de ambos. Um soul envolvente tocando ao fundo. Pedrinho a essa altura já no seu terceiro sonho. Depois de muitos beijos apaixonados e algumas carícias preliminares, ele levantou-se da cama e caminhou até o banheiro. A expectativa despertava nela uma onda de prazer e quase a fazia gozar sozinha. Minutos depois, ele reapareceu. E mesmo não estando no auge da juventude, denunciado tão somente por algumas mechas grisalhas, ainda mantinha-se viril e musculoso o seu homem! Características ressaltadas ainda mais pelo bronzeado adquirido ao longo de muitas partidas de futebol na praia. Ela, com olhos semi cerrados e em êxtase ao ver que acertara, tanto no número, quanto textura e cor, que lhe cairam tão perfeitamente ressaltando ainda mais a cor da pele. Não se conteve e pulou da cama até a porta onde estava, prostrou-se de joelhos a sua frente salivando e revirando os olhos, enquanto sua mão esquerda invadia a seda lilás geladinha escorregadia, tentando desviar de tanta renda e tomar posse com mãos e boca do seu objeto a. Duro. Mas pouco antes de sucumbir de vez aos sôfregos carinhos da amada, num impulso carregou seu corpo franzino e nu, que poderia quebrar a qualquer momento, e a devorou em cima da cama, na posição preferida do casal. Com laçarotes, fitilhos e tudo. Assim deram início às comemorações dos seus dez anos.

Cinta liga, espartilho e tubinho preto ainda esperavam na caixa.

EG

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

BETH COBRA

apresentando... Beth Cobra, nova moradora do pensionato.
.
Beth Cobra acompanhou com os olhos as fissuras na tinta branca do teto. Cada uma das ramificações contadas e recontadas inúmeras vezes - exaustivamente. Interessante é que só parecia descascar na área próxima à luminária. Óbvio! Devido ao aquecimento! As descamações só lhe aumentavam a sensação de secura na garganta e narinas, as últimas entupidas com os malditos tubos. Ficou um pouco tonta. E como se tivesse pressentido o mal estar, a enfermeira chega com sua bandejinha e seu sorriso adorável. Hora das seringas. Curvilínea essa enfermeira. Beth a beijaria de língua se pudesse. Arrancaria aquele jaleco branco e a comeria ali mesmo, em meio àquela aparelhagem toda. Quem sabe o contato com a seiva daquela criatura transbordante não amenizasse sua aridez. Talvez então conseguisse fazer correr algum frescor em suas veias combalidas por tantas agulhadas. Olhou de soslaio pro monitor e esqueceu por ora das descamações do teto. Passou a acompanhar o desenho aleatório dos seus batimentos. Lembrava uma fileira de montanhas irregulares, num deserto pedregoso e esquecido, jamais visitado. Na grande maioria das vezes piscava num compasso fraquinho, de quem já nada esperava...

_ Então Sra. Beth. Conseguiu lembrar de algum nome?

Acenou com a cabeça que não. Murmurou algo, não compreendido por seu anjo de jaleco. E tudo escureceu novamente.

Sonhou. E no sonho atormentado conseguiu distinguir a figura de uma mulher com o olhar mais repreensor que testemunhara na vida. Prestando mais atenção, Beth percebeu que ainda usava vestido. Um vestido florido que odiava, costurado numa máquina antiga de pedal de ferro. O detalhe do pé de sua mãe subindo e descendo hipnoticamente naquele pedal. Ponta, calcanhar. Ponta, calcanhar... Sim, sua própria mãe coseu o tal vestido de flores que tanto odiava, grintando pra que voltasse pra dentro de casa e largasse a maldita bola. Ou tempos depois, gritando pra que nunca mais voltasse. E assim lá se vão quase trinta e cinco anos desde que resolveu obedecer às últimas categóricas ordens - então com quinze anos.

Sete dias depois e as descamações no teto pareciam ter aumentado. Já não se sentia assim tão tonta. As agulhadas a fortaleceram - sempre fortalecem. Só precisava muito sair dali. Seu gato, coitado, a essa altura já deve estar duro, morto por inanição. Mas seu anjo de jaleco branco dizia que não era possível partir, a não ser mediante a tal assinatura. Pra que diabos precisava de uma autorização pra ir embora? Nunca alguém havia se responsabilizado por nada, por que haveria de ser diferente agora? Não era uma questão de amnésia, ela simplesmente não tinha um um nome pra aporrinhar. E seu anjo parecia não compreender isso. Não havia um nome disponível, disposto a se abalar até o hospital só pra dar um rabisco num papel idiota, cuja existência e obrigatoriedade só serviam pra lhe esfregar na cara sua total e completa solitude. Precisava ir embora. Mas quem haveria de se importar? Assim como chegou trazida unicamente por suas pernas e acompanhada apenas por uma enorme dor no peito, também deveria sair por conta própria. De relance viu os peitos volumosos do seu anjo, pela brecha aberta entre um botão e outro enquanto delicadamente era servida sua sopa. A visão a deixou em êxtase. E se convenceu de que ali era o céu. Parou de buscar um nome. Parou de desejar voltar ao convívio de ausências, em seu deserto amarelado.
.
EG

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

ALOZIAS - o cara

Era pra ser uma colaboração ao conto anterior (inacabado), mas o cara é foda, roubou a cena e merece um destaque especial... Participação especial, ALOZIAS, por Fábio B. da Silva (Blog Reboco Caido, http://rebococaido.blogspot.com/).

"Alozias era um homem de estatura baixa e um corpo obeso ao extremo. Cortava sempre o cabelo a máquina para não ter trabalho de pentear e, de quebra, disfarçar a calvície que não parava de avançar. Sempre que chegava do trabalho tirava a calça e o calçado, perambulando pela casa com a cueca furada e a camiseta branca amarelada. Abria a garrafa de cana e terminava o porre que havia começado no boteco da esquina. Quando o corpo começava a dar sinais de seu peso, se jogava no sofá e ligava a televisão em qualquer canal. Abria o embrulho de gordura e começava a chupar o tira gosto. A mente o tirava dali e a TV se dissolvia em lembranças que há muito tempo o atormentavam. Desde sempre, para dizer a verdade. Era sempre a mesma visão. Sentado no chão do açougue, ainda bem pequenino, ficava apreciando seu pai, de quem herdou a profissão de açougueiro, cortar as peças de carne. Qualquer coisa que caísse no chão virava logo comida para o pequeno esfomeado. Sua alimentação consistia basicamente de carne crua, gordura e coisas do gênero. Normalmente o que os fregueses não queriam. Gostava quando sua vizinha, a moça do quarto ao lado, recebia visitas. Ela tinha um nome estranho, mas era algo que começava com a letra P. Aí ele podia tentar se masturbar ouvindo seus gemidos. Era uma pena que sempre pegava no sono antes de terminar o ato."
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Obrigada Fábio, seu ALOZIAS é adoravelmente irresistível.
EG

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Em construção...

Conto iniciado na madrugada do dia 28 de Outubro, numa crise de insônia... Proposta inicial para o título: RAJAH. Obs.: Sugestões para continuidade, serão bem vindas.
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Assim que abri a porta do elevador e dei os primeiros passos rumo ao meu novo “lar”, senti os pêlos eriçarem com aquele grito saído das profundezas que eu mal conseguia definir se humano ou bestial. Um som que me remetia direto aos filmes de terror de outrora, em P&B, que costumava assistir quando criança, sentada solitária e noite adentro no sofá da sala, guarnecida apenas por um lençol fino, que me envolvia dos pés à cabeça, me dando toda segurança que eu julgava necessária, deixando aberta apenas uma pequena brecha pra que os olhos pudessem acompanhar - ou não - as tentações que a TV oferecia. Tentações apavorantes que eu, ainda criança, não conseguia resistir – o tempo passou e continuo não conseguindo passar sem elas. Ainda me é bastante cara a imagem de uma carruagem chegando numa noite fria a um castelo sombrio e aterrorizdor, no alto de uma imensa e esfumaçada colina. Mesmo que carruagem e castelo tenham se modernizado um pouco, ainda preciso deles. Como o ar que respiro.

O som que me recepcionou ao chegar no edifício RAJAH era assim. Algo entre o choro e o êxtase. Um grunido lamuriento e ao mesmo tempo lascivo, que percorria os canais auditivos e me chegava até os ossos, como que fossem trincá-los. Fazia frio. Dia daqueles cinzentos que tanto aprecio. Caminhei por aquele corredor comprido, recheado de portas, cada uma abrigando seu próprio quinhão de originalidade e mistério, que tanto me excitava e me alimentava a alma de escritora maldita. Vontade tinha eu de irromper uma por uma, coberta, se possível, por algum manto invisível e protetor que me permitisse penetrar sem ser percebida naqueles cubículos – claro que deveriam ser cubículos – generosos em histórias que nunca foram lidas, jamais degustadas. E pra que serve então uma história de terror se nunca ninguém, além dos afortunados e extraordinários personagens, tomou conhecimento? Não. Era pra isso que eu estava ali. Era meu dever escancarar todas aquelas portas, uma a uma, expondo à humanidade os inúmeros e sórdidos detalhes escondidos em recônditos mais impensáveis e deliciosos. A simples visão das portas enfileiradas me fazia tremer de pavor e arrebatamento. Quanto fartura, pensei... Cheguei a salivar de alegria.
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Numa primeira análise o corredor não era nada lá essas coisas assim que pudesse suscitar suspeitas quanto sua capacidade de abrigar criaturas infâmes e suas pecuinhas, baixezas e extraordinarices – pequenos mimos humanos que tanto amo! É verdade que na primeira curva havia uma enorme mancha amarelada na parede, que eu definiria como uma boa mijada de cachorro; muito provavelmente vira-lata. Macho por certo, dado que a mijada era num canto, sabiamente marcando seu território. A coisa estava assim, meio que revoltosamente espirrada a uma dada altura, pra escorrer sinuosa até o rodapé gasto. Era só a mijada e pronto. Nada de latas espalhadas, nada de baratas cruzando meu caminho, muito menos ratazanas. Só uma simples mijada de um vira-lata territorialista e viril. E o grunido ainda não identificado...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

1701

Por Fabio da Silva Barbosa
Ilustracao: Alexandre Mendes
BLOG REBOCO CAIDO, http://rebococaido.blogspot.com/2009/10/1701.html


Acordei ainda inebriada pela manhã de prazer com Morgana. Morgana... Era assim que gostava de ser chamada. Minha machinha. Passei as mãos pelo seu corpo nu. Tomei banho e me arrumei. Tinha cliente marcado cinco da tarde. Queria sair antes que ela acordasse. Se me visse indo, poderia estragar tudo com suas crises de ciúme. Sabia que meus clientes tinham algo com que não poderia competir. Isso a deixava louca. Mas, ela se esquecia do mais importante. Eram apenas clientes. Depositei o dinheiro da cerveja em baixo do cinzeiro que transbordava de bingas e saí.

Ao abrir a porta, o senhor que mora em frente abriu a janelinha.

- Boa tarde, princesa!

Coitado. Deve passar o dia esperando eu abrir a porta para olhar pela janelinha com aquela cara de tarado e me saudar com suas frases feitas. Balancei a cabeça com um sorriso cínico e prossegui. O elevador ainda estava com defeito. A proprietária deveria abater isto no aluguel. Um dos argumentos usados para cobrar esse absurdo por mês, foi o fato do prédio ter elevador. Ratos e baratas disputavam os cantos. O porteiro está sempre dormindo, bêbado.

- Como é Seu Oligário? Assim vai cair da cadeira.

Ele abriu os olhos assustado.

- Oi Dona Clarice... Bom dia...
- Boa tarde!

Respondi com o mesmo sorriso que havia usado para cumprimentar meu vizinho. Era uma forma de agradar. Sabia que eles gostavam quando usava esse artifício. Descendo os degraus que desembocavam na rua, ainda pude ouvir seu suspiro.

- Gostosa !!!

Deve ter voltado a cochilar logo que dobrei a esquina. Veio um táxi. Fiz logo sinal. O motorista parou. Entrei séria. Disse o endereço acompanhado de um discreto sorriso. Cínico, como todos os outros. Desci no restaurante combinado. O cliente já estava me esperando na varanda, tomando sua tequila com limão e petiscando algo que daquela distância pareciam azeitonas. Assim que cheguei, me elogiou, como sempre. Esqueci de conferir se eram mesmo azeitonas no pratinho. Conversamos sobre bana-lidades. Ele era jovem, bonito e tinha dinheiro. Nunca entendi porque precisava de meus serviços. Qualquer mulher poderia aprender a manusear os consolos de que tanto gostava, sem maiores sacrifícios. Pedi suco de laranja. Dentro de meia hora estávamos no motel.

Eram por volta das vinte e uma quando pedi que me deixasse na boate. Foi uma noite movimentada. Morgana apareceu perto da hora de fechar. O segurança criou problema por ter ordens de não deixá-la entrar. Na última vez abriu um gringo a facadas e deu a maior merda. Conversei com ela, mas não adiantou. Deve ter bebido a tarde toda. Saiu me amaldiçoando e disse que quando voltasse conversaríamos. Suspirando, entrei. Ela sabia que ficaríamos na pior se arranjasse um desses empregos de salário mínimo. Atendi mais dois clientes e fui para o banho. Algumas meninas dormiam por lá, mas se não fosse para casa, ia ter problemas.

O táxi que havia pedido já estava esperando. O motorista tentou puxar assunto, mas eu não estava para muito papo. Só pensava em Morgana e na chateação que iria ter quando chegasse em casa. Estava torcendo para que ela estivesse na rua. Pelo menos chegaria bêbada, em vez de me alugar com suas crises de ciúmes. Às vezes penso que seria melhor morar sozinha. Ou então voltar para minha terra. A família ficaria feliz em me ver voltar. Mas agora não dava para isso. Tinha de juntar mais dinheiro. Estava pensando em comprar um carro. Mas carro era perigoso. O último que tive Morgana estraçalhou contra o poste. Quase perdi aquela danada. Se pelo menos tivesse juízo naquela cabeça... Para que beber assim? Mas também, se não beber, fica pior. Ninguém aguenta. Ô coisinha braba que fui arrumar.

Quando nos conhecemos, se vestia de cigana e botava cartas. Fui por indicação de uma amiga e realmente encontrei meu destino. A própria cartomante. Aqueles brincos enormes... Ficava linda com aqueles lenços. O nome havia tirado não sabia bem de onde. Disse que lembrava ter ouvido em algum lugar. Coisas daquela cabeça maluca.

O porteiro estava dormindo. Passei em silêncio. Não estava para sorrisos cínicos. Abri a porta do apartamento. O vizinho da frente também estava dormindo àquela hora. Tomara que Morgana não resolva acordar todos os sonolentos com suas gritarias. A casa estava escura. Ouvi o barulho do chuveiro. Fui para o quarto. Estava tudo revirado. Uma bagunça só.
Deitei e fiquei esperando. Fechei os olhos para, no último caso, fingir que dormia. Ela não veio. Muito tempo se passou. Talvez mais de uma hora. Levantei devagar. O que estaria tramando? Às vezes me assustava com seu lado sombrio. Nunca sabia o que esperar. Bem devagar, fui até a porta do banheiro. Estava entreaberta. Empurrei com cautela. Qual loucura desta vez?

- Morgana?

Ninguém respondia. Dei uma espiada. Não poderia ser. A silhueta, que vi através das paredes plásticas do box, registrava algo terrível. Disparei pelo cômodo, abrindo a porta que me separava do meu amor. O corpo estava caído. Sem vida. Parecia uma marionete esquecida por seu dono. A barriguinha, inchada pelo álcool, tapava parte de sua xota cabeluda. Abracei-a em prantos sem saber o que fazer. Era o terror jamais sentido. A água nos molhava, enquanto pedia para que se levantasse. Só depois observei o sangue tingindo o chão do banheiro. Ainda não tinha me recuperado quando os policiais chegaram. Não saberia dizer quanto tempo passou, ou como souberam que precisávamos de ajuda. Agora, estou aqui. Tomando banho de sol no pátio. Nunca saberei o que se passou em nosso apartamento. O número 1701 de um prédio, no centro da cidade. Fui à única suspeita. Seu Oligário não havia visto ninguém entrar ou sair do prédio. Os vizinhos disseram que brigávamos muito, por isso não estranharam aquela gritaria. Uma coisa é certa e só eu sei. Eu não estava lá.
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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Entrevistando "o" poeta, Glauco Mattoso

Por Fábio da Silva Barbosa (Blog Reboco Caído http://rebococaido.blogspot.com/ )


Ele é poeta, ficcionista, ensaísta, colaborou com diversos veículos de infor-mações, como a inesquecível revista em quadrinhos Chiclete com Banana e tirou seu nome artístico da doença que o cegou. Sabem quem é? Não poderia ser outro, se não o grande Glauco Mattoso.


Como foi o despertar para a arte?

Fallando em despertar, faço logo um alerta: só escrevo pela antiga orthographia e quero que minha escripta não seja mexida, certo? Accordei para a arte porque desde creança vi que minha janella para a vida commum seria fechada pela cegueira progressiva. Foi uma sahida existencial, uma escapatoria.


Qual o principal papel da arte em sua vida?

Antes de mais nada, evitar o suicidio, ou o alcoholismo, ou as drogas mais letaes. De quebra, a arte rendeu algum tesão... (risos)


O que é o underground para você?

Para quem ja cresceu na pe-ripheria e desde cedo foi saccode pancada da moleca-da, ser "underdog" na vida ou "underground" na arte faz pouca differença... A margi-nalidade, social ou litteraria, veiu a ser meu proprio habitat.


Como foi trabalhar com o alternativo na época da ditadura?

Por ser a unica via livre da censura, a imprensa nannica offerecia um illimitado universo creativo. Meu zine anarchopoetico, "Jornal Dobrabil", fez coisa que nenhum grande orgam impresso podia fazer em termos de linguagem, diagramma-ção, conteudo, emfim, foi um vehiculo de commu-nicação de facto.
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Glauco, careta em relação às suas obras?

Minha philosophia de vida é o paradoxo. Acho que todos somos poços de contradicção, moci-nhos e bandidos ao mesmo tempo. Portanto, nada de extranho no facto de eu ser mais louco como personagem que como pessoa.


Você se venderia para ter uma vida mais confortável?

Através da historia, e em muitas regiões do mundo, os deficientes foram escravizados ou tiveram que se pros-tituir para sobrevive-rem. Si eu vivesse na India, provavelmente seria massagista e chupador para ga-nhar o pão. Aqui posso me dar ao luxo de ser massagista e chupador para ga-nhar inspiração nos sonetos ou nos con-tos... (risos) Mas isso não significa que eu assignaria contracto com uma editora commercial que me pagasse bem mas me exigisse radicaes mudanças de estylo.
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O atual panorama político brasileiro e mundial segundo o poeta:

Ja versejei demais sobre o scenario politico, particu-larmente no livro"Poetica na politica", e tenho commentado a respeito em minha columna na "Caros Amigos". Não ha o que accrescentar: fallar de merda sempre foi minha especialidade..


A tese de que trocamos a ditadura militar pela capital é real?

Sim, mas na verdade nunca a trocamos. A dictadura economica é permanente. Apenas a militar foi addicionada a ella durante aquelle periodo.
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O ser humano se entregou à alienação?

Pode ser, mas ha varios typos de alienação, umas damnosas, outras gozosas. Phantasias sexuaes, mesmo as minhas, que são sadomasochistas, podem ser boa estrategia para compensar as difficuldades practicas. Ja a desinformação é a peor forma de alienação, da qual fujo como o Diabo da cruz.


Seu epitáfio.

Epitaphio? Vira essa bocca para la! Não pensei ainda. Talvez na hora de morrer eu decida. Mas seria algo como "Aqui jaz alguem que jamais soube o que dizer da morte e só fallou mal da vida"... (risos)

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Meu Ventre

Pernas afastadas, penduradas uma de cada lado. E a cabeça da médica ao meio. Médica fria, quase sem expressão. MARIANA sente uma pontada dolorida, mas não no colo do útero, e sim no colo do peito, apertado, do tamanho de uma ervilha. Os pensamentos em redemoinho, num liquidificador de angústias. E aqueles dois dedos catucando, enquanto a outra mão apalpa o ventre... Pronto. É terminada a primeira fase. Segunda aliás, porque a primeira foi na recepção, com a entrega do dinheiro do exame à atendente. A propósito, que recepeção! Aconchegantes poltronas ocupadas por criaturas tristes, culposas, expressões de certo desespero. Alguns pouquíssimos homens, quase todos de cabeças baixas. Terminada sessão de toques, foi direcionada ao que parecia ser o escritório. Finda a consulta, é chegado o momento de tratar de “negócios”... Instruções foram devidamente dadas, assinaturas devidamente recolhidas. E um pacote significativo de dinheiro entregue.

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LUCIANA, ao lado de ROSA, quem considera seu anjo da guarda nesse momento, caminha por ruela estreita, sem alfalto, de terra avermelheda. De uma lado, casas de madeira. Do outro, muitas árvores. E aquela poeirada toda, irritante... A ruela revelou-se sem saída logo após a inevitável curva à direita. A partir daí, só restavam mais duas casas – em frente a elas, uma mata cerrada. Aquele finalzinho de rua era um lugar perdido no mundo. Com ares de esconderijo, depressivo. Uma das casas era bem simples, de madeira, a outra, de alvenaria, toda branca e bem pomposa - pelo menos no conceito Luciana de pomposidade, menina simples e não urbana, do alto dos seus quinze anos. Mas qualquer que seja o conceito de pomposidade, a casa branca de fato destacáva-se naquele cenário tão seco, árido. Pararam em frente a ela e tocaram a campainha no muro. Uma mulher gorda, vestida de branco, com a testa melada de suor, as recebeu. Pediu pra que esperassem na varanda. E lá ficaram, por mais de uma hora, sentadas em cadeiras de ferro, desconfortáveis, com um fino estofamento vermelho que não aliviava em nada. Luciana e Rosa mudas. Cada uma num planeta distante.

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Mariana, após o acerto no escritório, foi então encaminhada a uma terceira sala, por um corredor estreito e longo. Quase sem fim. Agora seria a etapa dos testes. Era de suma importância essa fase de testes. Em especial o da agulhada no dedo, de onde são retiradas gotas de sangue pra medir a capacidade de coagulação. Isso revela o potencial a hemorragias. No caminho pelo corredor, o peito ervilha avolumou-se e passou a bater descompassadamente. No turbilhão dos seus pensamentos lembrou da faculdade que ainda não acabara, da bolsa de intercâmbio para a qual concorria – com grandes chances de êxito – de um salário fixo que ainda não tinha, do “namorado” que definitamente a queria o mais distante possível. Lembrou-se também de raras vezes ter se aproximado de uma cozinha, a não ser pra fazer um café de máquina, fritar um ovo ou fazer um macarrão com salsichas. Nunca sequer havia preparado um simples(?) bolo!! Como assumiria uma responsabilidade dessas? Como enfrentaria tantas dificuldades? Mudando tão radicalmente o curso da sua vida, até então tranquila? Como? Triste, mas precisava seguir naquele corredor. Deu mais dois passos e seu coração de súbito aquietou-se. Inexplicavelmente... Tomou-se de uma tranquilidade reconfortante. Fechou os olhos, respirou bem fundo. Deu meia volta. Foi tentar reaver o dinheiro.

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Luciana é convidada a entrar. Rosa vai precisar esperar ainda algum tempo na cadeira desconfortáveL de ferro. A partir daí Luciana já quase não consegue pensar. Tudo fica meio devagar e fantasmagórico. Quase não consegue ouvir o que é dito pela gorda de branco. Dizem que é enfermeira das boas! O pagamento já fora feito. Luciana lembra que há um ano atrás dava seu primeiro beijo. Como eram apaixonados... Rosa do lado de fora tensa, esfregava as mãos suadas – como seu irmão caçula foi capaz de tamanha irresponsabilidade! Luciana passa por uma sala luxuosa e é levada a um quartinho nos fundos da cozinha. O cheiro de éter... Algo é aplicado na veia do seu braço direito. Aí sim, tudo ficou mais lento e mais fantasmagórico ainda. Tonta, só consegue lembrar das tertúlias e dos seus pais estacionados na saída do clube, a sua espera, à meia noite. Ela saindo de dentro da danceteria, muito suada. Dançavam horrores. Só acalmavam na música romântica. Quando colavam os rostos. Enquanto seus pensamentos pueris voam, Luciana é escarafunchada por dentro. Até que ouve a voz da mulher de branco ao longe, dizendo que tudo havia terminado, o problema resolvido. Passou-lhe várias instruções, enfatizando a parte dos antibióticos. De fato era uma boa enfermeria essa mulher! Pra Luciana, esse foi um outro anjo da guarda naquele dia cinzento. Um tanto tosco, mas anjo! Disse também que os tampões de gazes deveriam ser mantidos por ora. E que, por algum tempo, Luciana ainda sangraria muito.
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EG

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ventania - Versão 2

Por gigantescas
arenosas montanhas
tortuosas escaldantes
do deserto amarelado
que por séculos caminho
- com SEDE,
- com FOME,
chega ao fim
meu prolongado
martírio

Pois já não seca,
essa fonte em que bebo
cremoso, o sabor desse
néctar
E o sol já não me
escama a pele
E a areia
já não me arranha os póros
Não choro
solitária e com sede
Me alegro
por trazer em meu peito
um oásis
de carinho e afeto
Tesouro
generoso, infinito
onde o brilho
é SÓ!
por te ter feliz.
Tranquilo...

É leve e suave,
caramelo oásis
que carrego comigo.


Elke Gibson

domingo, 20 de setembro de 2009

Poesia conjugada em vermelho

por André Nóbrega

Não despeje silêncio
nessa porta em que o corpo
colhe o berço da semente.
Esteja certa porque é sábio
o teu resguardo e clara
a beleza em arvoredo
de angústia.
A poesia conjugada
em vermelho revela
uma luta insaciável.
As letras expelidas
em tua reinação
camuflam gozos
permanentes.
Num verso receoso
a opção de estar entregue...
Pela existência improvável
a magnitude em ser ELKE!

André Nóbrega, meu amigo poeta querido. Obrigada!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Os Três Atos

1o. Ato

...em pleno expediente, partiu tensa rumo ao banheiro da firma - escolheu o box para deficientes físicos, onde podia esticar as pernas.

2o. e 3o Atos

Gozou deliciosamente em silêncio enquanto sua colega de trabalho escovava a língua na pia.

Voltou pra mesa com músculos doloridos - e uma caimbra nas nádegas. Sorriu e retomou a planilha.

EG

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Setembro

Com uma colher de pau, aqueça uma porção de açúcar em uma panela com lágrimas. Junte um par de cílios longos e escorregadios. Derreto. Salivo... morro.

Caramelos que me derretem! Não podeis por favor virar...duas ameixas?? Assim, sem ciumeira, seguiria eu menos feliz. Menos tua. Menos prisioneira

Pra que diabos tanta humanidade?!! pra que diabos tantas paixões, tanto suspiro, arrepio, tristeza... tanto apego! tanta seiva...

Quero engrenagens! Parafusos! Correias! Que não derretem.. não lacrimejam, não te querem... e não escorrem.

Não rasgam, não sangram, não sofrem... não esperneiam.

Pausa então pra diaba-humana lamber a ferida... que lateja, um tantico e ainda... quando sopram dos lestes as brisas.

EG

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Salve bom, velho e bêbado Bukowski! Tempo perfeito, deliciosamente visual. Animalesco! Puro Roteiro!

Trecho do livro "Factorum", Charles Bukowski (1920 – 1994). Editora L&PM Pocket, vol. 624 / Tradução: Pedro Gonzaga

Minha dívida com quarto, comida, roupa lavada etc. já estava tão alta que foram precisos vários salários para liquidá-la. Assim que isso aconteceu, me mudei de imediato. Eu não tinha condições de pagar os preços praticados lá em casa.

Encontrei uma pensão próxima ao trabalho. Fazer a mudança não era difícil. Minhas coisas não enchiam nem a metade de uma mala...

Mama Strader era minha senhoria, uma ruiva apagada de boa aparência, muitos dentes de ouro e um namorado velhusco. Chamou-me na cozinha, logo na primeira manhã, e disse que me daria um copo de uísque se eu fosse lá fora alimentar as galinhas. Depois de cumprir a missão, sentei-me para beber com Mama e seu namorado, Al. Estava uma hora atrasado para o trabalho.

Na segunda noite, houve uma batida na minha porta. Era uma gorda já entrada nos quarenta. Trazia uma garrafa de vinho.

_ Moro num quarto do outro lado do corredor, me chamo Martha. Você está sempre escutando boa música. Pensei em lhe trazer uma bebida.

Martha entrou. Vestia uma espécie de bata verde e, depois de alguns copos de vinho, começou a me mostrar suas pernas.

_ Tenho pernas legais.
_ Sou vidrado em pernas.
_ Olhe mais pra cima.

Suas pernas eram muito brancas, gorduchas, flácidas, com veias roxas e protuberantes. Martha me contou sua história.

Era uma prostituta. Tinha percorrido todo o circuito dos bares. Sua principal fonte de renda era o dono de uma loja de departamentos.

_ Ele me dá dinheiro. Vou até a loja dele e levo tudo o que quero. Os vendedores não me incomodam. Ele disse pra me deixarem em paz. Ele não quer que a mulher saiba que eu trepo muito melhor do que ela.

Martha se levantou e ligou o rádio. Alto.

_ Sou uma ótima dançarina - ela disse. - Veja como eu danço!

Ela girava dentro daquela barraca verde, dando chutes no ar. Estava longe de ser o que alardeava. Logo a bata passava da linha de sua cintura, e ela começou a balançar a bunda bem junto ao meu rosto. A calcinha rosa tinha um enorme furo sobre o glúteo direito. Então a bata já era, e ela ficou só de calcinha. Logo todas as suas vestes estavam no chão, e ela seguiu com o número. Seus pêlos pubianos quase desapareciam debaixo da barriga frouxa, que não parava de balançar.

O suor fazia com que sua maquiagem escorresse. Subitamente seus olhos se estreitaram. Eu estava sentado na beirada da cama. Ela se jogou sobre mim antes que eu pudesse reagir. Sua boca já aberta foi pressionada contra a minha. Tinha gosto de cuspe e cebolas e vinho barato e (imaginei) dos espermas de quatrocentos homens. Enfiou sua língua na minha boca. Estava grossa pela quantidade de saliva, o que me fez engasgar e empurrá-la para longe. Ela se pôs de joelhos, baixou meu zíper, e em um segundo meu pau frouxo estava em sua boca. Ela chupou e bateu. Martha usava uma pequena fita amarela em seu cabelo grisalho e curto. Tinha verrugas e grandes pintas marrons no pescoço e nas bochechas.

Meu pênis subiu; ela gemeu e me deu uma mordida. Gritei, segurei-a pelos cabelos e a afastei. Fiquei de pé no centro do quarto, aterrorizado e ferido. Tocavam uma sinfonia do Mahler no rádio. Antes que eu pudesse me mover, ela estava novamente de joelhos. Agarrou minhas bolas sem qualquer piedade com as duas mãos. Sua boca se abriu, ela me tomou; sua cabeça ia e vinha, chupando, masturbando. Ela me obrigou a deitar no chão, dando um tremendo puxão no meu saco, quase partindo meu pau ao meio com os dentes. Os sons da chupada enchiam o quarto, enquanto o rádio tocava Mahler. Era como se eu estivesse sendo devorado por um animal impiedoso. Meu pau endureceu, coberto de cuspe e sangue. A visão daquilo a enlouqueceu. Era como ser devorado vivo.

Se eu gozar, pensei em desespero, jamais me perdoarei.

Quando consegui dar um jeito de agarrar seus cabelos para afastá-la, ela apertou novamente minhas bolas e as esmagou sem pena. Seus dentes cravaram na metade do meu pau como se quisessem, feito uma tesoura, parti-lo ao meio. Gritei, soltei-lhe o cabelo, deitei no chão. Sua cabeça seguia em ação, sem qualquer remorso. Tinha certeza de que essa chupada podia ser ouvida ao longo de toda pensão.

_ NÃO! - gritei.

Ela prosseguiu com uma fúria inumana. Comecei a gozar. Era como sugar o interior de uma serpente que estivesse presa. Sua fúria mesclava-se à loucura; ela engoliu todo o esperma, fazendo-o gorgolejar em sua garganta.
Ela continuou masturbando e chupando.

_ Martha! Chega! Acabou!

Ela não iria parar. Era como se tivesse se transformado numa enorme boca, capaz de devorar tudo. Continuou chupando e masturbando. Seguiu e seguiu.

_ NÃO! - gritei novamente.

Desta vez ela bebeu como se fosse uma batida de baunilha, de canudinho.
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Desfaleci. Ela se ergueu e começou a se vestir. Cantou:

"When a New York baby says
goodnight it's early in the morning

goodnight, sweetheart
it's early in the morning

goodnight, sweetheart
milkman's on his way home.. ."

Com esforço fiquei de pé, agarrando-me aos bolsos da minha calça em busca da carteira. Saquei uma nota de US$ 5, passei a ela. Pegou a nota e enfiou-a entre os seios, pela parte frontal do vestido, deu mais uma agarrada, bem faceira, nas minhas bolas, apertou-as, soltou e seguiu bailando quarto afora.
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C.Bukowski
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* Obrigada maestro Messias pela indicação da leitura - simplesmente sensacional.

invasão

meu muro, antes seco, rachado, agora pulsa, todo tomado que foi por essa hera, que ocupou cada centímetro da rocha.
um CoRação abraçado.
EG

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

PASTO FELIZ

ahh opressão maquiavélica da famigerada felicidade, que elimina o espaço CRIATIVO entre a afetação e a ação... as felizes vaquinhas coladas na paisagem...
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..têm fome, pastam / têm sono, dormem / sentem-se inseguras, compram sapatos...
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...numa pastagem verdejante, cercadas por perfumadas lindas flores do campo... SEM ESPELHOS, MAS FELIZES!
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ÊPA! peraí! sou uma vaquinha feliz, me pregaram aqui na paisagem, mas tenho uma dobra a mais! e que surpresa! nessa dobra tem um espelho!
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ih! achei o espelho, me descolei da paisagem, agora não sou tão feliz...
SINTO MUITO MEUS SENHORES! Agora, sinto fome, rumino uma poesia!
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e o cheiro NÃO é de flores...
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EG, a vaquinha infeliz.

domingo, 6 de setembro de 2009

Felicidade

Dia desses revolvendo meus armários bagunçados, deparei-me com a velha ardilosa companheira, a aconselhadeira bola de cristal. Nos encaramos por alguns minutos; a cretina de lá, insinuante como sempre, a piscar suas imagens tentadoras, eu de cá, desconfiada. Acometida por uma fúria incontrolável, caminhei até o sótão e catei em meio a outra bagunça indescritível, minha também velha e boa marreta. De um só golpe acertei em cheio o futuro. Voaram estilhaços para todos os lados. E desde então vivo aqui, satisfeita e enclausurada em meu doce e reconfortante castelo de hojes. Portanto fechem suas matracas bando de caquinhos enganadores! Pois aqui mesmo decidi ficar! Em paz.

Há os que juram ter visto um rasgo de alegria em meu rosto. Penso até que sorri.
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EGibson

domingo, 23 de agosto de 2009

...quanto estrago


"Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparada atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheia pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele..."


por Caio Fernando Abreu

a que eu completaria:

te faltará o ar, o amor próprio e todo e qualquer rasgo de lucidez... louca e de olheiras, vagarás pelo mundo na única companhia de um fantasma obsessor de olhos caramelos. Que faminto, te possuirá quando em vez. Reza, pobre diaba...

EG

A Cura

by Renato Oliveira, poeta e músico do Ponto de Cultura O Som das Comunidades (comunidade do Rio Comprido)

Tu magnitude me seqüestra
e a pouca resistência que resta não contesta
A tua beldade
Tua alma intrépida
Faz de mim réplica
Me multiplica as vontades
Teu colo generoso
Me deixa nervoso
Me põe em alvoroço
Em sulfúrica ansiedade
És a cura da loucura que me assombra
És, das doçuras, a mais pura, a qual não se compra
Se conquista.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

ECO

Puxei o minúsculo banquinho de madeira e posicionei-o a meio metro da parede. Sentei. Uma parede daquelas, feita de tijolos robustos, um a um sobrepostos em posição deitada de forma que não seria qualquer baquezinho suficiente pra derrubá-la. Sabe-se que há paredes construídas com tijolos na posição vertical, todos em pé; essas sim, frágeis e facinhas de pôr abaixo. Além dos tijolos em posição reforçada havia também o cimento de primeiríssima qualidade. Uma argamassa usada na construção de lajes. E nem comentei sobre as vigas de ferro dando a sustentação final. Era uma senhora parede de concreto... Vinte metros de altura, por infinitos metros de comprimento. Há de se dizer que minha altura atual, dado que ando diminuindo dia após dia com o sufocante marcar – vejam bem, “marcar”, não “passar” - dos relógios digitais, gira em torno de um metro e sessenta e cinco. Sentado no banquinho, a imagem poderia ser comparada a de um poodle toy em pé, olhando pro casco de um transatlântico. Eu, o poodle toy, e meu banquinho. Após acomodado dentro do possível em meu diminuto espaço, com esse traseiro aqui há muito amolecido esparramado pelas bordas crespas, fiz um primeiro teste.

_ Olá...

Não empostei muito bem. Rrum! Rrum! Tentei limpar a garganta.

_Olá!

Esse já foi um pouco melhor, com um retorno pequeno, mas satisfatório. Mas ainda não o retorno dos meus sonhos. Então lembrei das minhas aulas de canto e tentei sustentar tudo no diafragma. Respirei fuuuuundo até quase implodir os pulmões, num mergulho cego às entranhas, e então, como um verdadeiro tenor de sucesso, mandei ver em um raríssimo Dó4...

_ OLÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ.

Sustentei a respiração por alguns segundos no fonema {a} de forma que a parede deve ter tido uma visão bem privilegiada da minha campainha, vibrante feito varinha verde, no caso, varinha vermelha. Visão não só da campainha, como também da mucosa inteira, do palato todo, da língua gorda, das pontes e coroas, acumuladas com o marcar - de novo, marcar, não passar – de todos esses anos. E o retorno tão desejado finalmente veio num soco de moléculas malemolentes e ondulantes que chegaram até a me descabelar. Feliz e com olhos marejados, chorei de emoção. Trêmulo, prosseguiu então o pequeno poodle.
--
EG

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

gotam animal project ¬¬

...com tanto ainda por peRder, só não abre mão de perder a compostura
- sua especialidade

animal que é ¬¬
perambulando à solta
em madrugadas quentes
de um aterro sujo
deslizando em tango
devorando toRpe
uma presa
luxurienta raivosa e grogue

mastigando
vísceras certezas
e o músculo!
último estrebucho

E o flagra!
que taRda...
já tudo engOlido

es
corre

EG

terça-feira, 28 de julho de 2009

Poema que eu não teria feito

Hoje eu pensei em escrever um poema mórbido... Eu é o cacete! Eu não escreve nada, eu não sabe é de nada. EU não passa de um cão sarnento e faminto a lamber as botas sujas de merda de quem vive a distribuir pés na bunda pelo mundo. Alguém bastante comprido e topetudo, sempre a olhar esnobe lá do alto da sua cobertura, analisando as formiguinhas do último andar do seu arranha céu de ideologias – ceguíssimo! Quase quinze graus de miopia mais uns não sei quantos de astigmatismo. Eu, de existência miserenta e escurraçada. Eu não pensa. Eu muito menos faz poesias! Eu não passa de uma titica que nem mais melequenta e viscosa é, mas sim ressecada, estorricada pela tamanha e contínua exposição à aridez de sentimentos que acabaram por fazer eu virar pozinho. Eu, poeirinha de titiquinha solitária e solta pelo cosmos, sem rumo certo. Pois bem, dado que eu foi devidamente remetido ao seu merecido lugar, recomecemos o parágrafo...

Ele hoje acordou com uma puta vontade de poetizar a finitude. E pensou: quero escrever algo novo, de construção perfeita, sonoro, com ritmo e melodia a tal ponto fuderosos que sua leitura empostada emitiria flashes de cores nunca antes experimentadas por ouvidos sensíveis. Esses lubrificados canais auditivos predispostos ao prazer e só ao prazer – nada de surdez, por obséquio, pois surdos aqui não têm uma única vez! O leitor desse poema de morte, do alto de um púlpito de mil ouvintes salivantes, ergueria então o queixo, apertaria os olhos com ramificações nervosas a abocanhar o branco globo ocular em fúria, feito teia carmim de uma viúva negra, em simetria com veias arregaçadas e insandecidas dos braços e pescoço a bombear tesão em estado de divina graça até mãos histéricas, enquanto o peito arfado cospe jatos em cores & versos, escarrados por entre dentes, maculados por uma língua lasciva e cadenciados por uma respiração dolorida. Os joelhos do leitor dobrariam em exaustão. Pobre leitor derrotado. Prostrado, semi-morto, finalizaria a sinfonia. Assim seria esse tal poema de morte.
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puta
que o teria
ENTÃO
parido

EG

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Diário de Bordo 1

Por: Débora Noal
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Sou também deste mundo.
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Hoje o dia amanheceu pleno de domingo, quando a manhã ainda acordava, subi o morro acompanhada de uma enfermeira da equipe para fazermos uma exploração do terreno. Vestidas para as intempéries do clima, caminhamos durante algum tempo ao som dos cânticos das igrejas que reverberavam, ainda que longe, pelas ruelas e esquinas de areia e pedra. Era um caminhar manso e curioso, um gostoso momento de descoberta, sensação boa de adentrar as ruelas e ver o olhar de estranhamento das pessoas, afinal éramos nós: as brancas que adentrávamos seus territórios, quase dentro de suas casas para poder passar de uma estreita rua a outra, onde a cada nova casa saudávamos com: Bonjour, e recebíamos um Bonjour Blanche. Assim somos nós nesta terra de contrastes e linguagens que produzem o estranhamento, o aninhamento, o encontro. Quando ainda subíamos fomos encontrando meninos de 8, 10, 12 anos de idade que ainda que nada falassem nos acompanhavam lado a lado e sorriam com o olhar. Por vezes algum perguntava algo em Créole (uma das duas línguas deste país que é também francófono), pediam para tirar fotos e dividiam a água que carregávamos conosco enquanto subíamos. Quando chegamos ao alto do morro, a grande recompensa do esforço: poder contemplar as diversidades desta cidade plena de inquietudes. Ao tempo que enxergávamos o brilhante e azul mar, a montanha de pedras, o grande lago montado pela força da natureza durante o ciclone, as casas ainda sem telhado, os grandes bairros feitos de tenda para alojar os desabrigados do ciclone, as grandes montanhas de lama depositadas em meio as ruas, casas e escolas, os velhos carros amarelos com suas latarias furadas. Podíamos escutar as buzinas dos caminhões que cortam a cidade na grande Rota National, parecia uma cena de um filme que ainda não tinha visto. Uma boa sensação de quem descobre o mundo na plenitude de suas sensações. Passado metade do dia a subir e a descer montanha, ajudadas pelos promissores projetos de adultos, retornamos a base do MSF na seqüência do domingo de descobertas. Sempre retornamos a base e/ou avisamos de tempos em tempos o rádio operador para informar onde estamos e se estamos bem. Não saímos sem rádio ou celular, temos um forte esquema de segurança, além de regras bastante claras sobre os lugares e horários que podemos sair, jamais estamos sozinhas. Quando o dia ainda era domingo, fomos à praia, porque domingo também é dia de praia para a equipe do Ciclone... Bom dia de encontro. Fiquei durante toda a tarde a brincar com os pequenos projetos de adultos que me cercavam, fizemos uma aula básica de como produzir fotos com minha máquina fotográfica. É bom acompanhar a descoberta curiosa que o aprisionamento da imagem provoca, a cada novo flash um sorriso de quem sabe que é autor, que é capaz, que é possível. Seguido do momento aula de fotografia, me brindaram com um novo penteado, eram 3 pequenas cabeleireiras de 8, 10 e 14 anos que me cercavam e fizeram muitas tranças, com um pente desbotado, que um dia parecia ter sido cor-de-rosa, e poucos dentes para exercer sua função de pentear, mas as pequenas e ágeis mãozinhas me produziram um novo visual. Enquanto as três me produziam, havia uma quarta que fazia de conta que fazia as minhas unhas e lixava meu pé com um coral marinho, em plena praia, em frente ao mar, os mundos se encontravam e trocavam formas de se compreender. Na despedida o grande presente: as pequenas figurinhas de 4 e 5 anos de idade juntaram um grande saco de minúsculas conchinhas do mar e me deram de presente, em troca ofertei uma coca-cola que estava dentro da mochila, milimétricamente dividida por 10 crianças, uma triste cena de um momento feliz de encontro. Ainda que por vezes machuque ver as incongruências desta cidade, tenho uma boa sensação de estar em contato com a vida...Bom saber que posso desabitar meu mundo tranqüilo de certezas. Bom saber que a cada novo dia é um novo amanhã que abre uma janela ou me joga pela porta um raio de sol, uma gota de chuva ou um círculo de vento. Sensação boa de devir, de atuação, de sair da platéia da televisão e entrar pela tela da vida, caindo de susto no palco de um mundo que antes me tocava, mas não era meu, agora eu sou também deste mundo.
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PARTE 6 - 06 de janeiro de 2009, Gonaïves, Haiti.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Vida

By Sergio Caddah
Série Fantasmagórica
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quem é capaz de
deter
aquele que já não
respira?

nenhum temor,

amarras

choro

muro armadura

esquecimento ou faca

cianureto lágrima

soco pontapé injúria

oxalá que eu sempre morra!
de morte mais cruenta
de morte bem sofridíssima!
liberta!
liberta-me que
te quero plena...

Senhora Foice

liberta-me que te quero,

vida!

EG

terça-feira, 14 de julho de 2009

espetaculando

fade in.
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A água desce escalpelante e esfumaçada pelas costas, enquanto EU arregaça com cuidado o prepúcio e lava devagar a glande magoada – a dor ainda não cessou completamente. Aproveita o deslize da espuma em abundância e lava também os diversos orifícios. Os alcançáveis.

Só quando passa por esses perrengues é que bate um arrependimento por enrolar tanto com essa maldita fimose. Inadmissível que EU – ser tão ciber-ultra-mega-rápido-modernoso-eficiente-atualizado, prestes a se lançar no estrelato business, com a capa da Jovens Empresários batendo à porta – seja capaz de conviver com essa aporrinhação se arrastando por tanto tempo. Relaxado, libera gases tímidos, mas bastante eficazes. EU deixa o box.

Ainda pingando, senta afoito no banco comprido de ripas de madeira, com uma toalha branca enrolada na cintura e blackberry de última geração em punho.

@ 7:25 am
bdia! 1ª info importante do dia: de pé as 7:25, dps d puta spinning, td xêroso e lavado, no banheiro da academia marcando medico! :-( pqp ninguem merece...
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@ 7:27 am
by the way, dolar a 1,9235

Devidamente bezuntado de cremes, cabelos indefectivelmente plácidos e gentis, em largas e bem comportadas ondas após a aplicação do gel importado, EU faz uma careta pro espelho pra depois sorrir de satisfação. Perfeição, única palavra cabível... E com um pedaço de papel higiênico, limpa resquícios das narinas de pêlos recém aparados na rotineira faxina geral, cuja abrangência alcança também os pêlos das orelhas - se demora, lobisomem ataca - bem como os pubianos, tão inconvenientes numas e noutras circunstâncias. Desembainha novamente o “fôni intiligente”.

@ 7:50 am
saindo d banho caprixado tdo boa pinta..indo pra reuniao importante! possibilidade grande negocio! torcam por mim cambada! ô vida xata kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

@ 8:30 am
indo limpar dentes apos maravilhoso croissant com cappuccino antes da reuniao... mto ansioso.
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@ 8:34 am
a qm interessar, bovespa medio 52.048,74

E...

@ 10:15 am
reuniao done... success is my name!..simply perfect! q venha Jovens Empresarios!

@ 10:25 am
BETO, happy hour na drinkeria hj, 20:13...I’ll be there, Lauriano Hulk & Angelina too..aparece cara!


@ 1:15 am
pappo iteresante com famila hluk..cHeo amigoss

EU abre a porta do flat às 1:44. Joga a pasta no sofá, arrasta-se cambaleante até o lap top. Um calafrio percorre a espinhela. Ansiedade! eu baixa a cabeça engolido pelo ciber vácuo. Punhal no peito... eu, um coisinha de nada: Visitors Count 0!
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@ 2:04 am
sorteo 1 cel qm me add...

@ 2:08 am
na cama em boacommpania?..porrra de madita fimose..:-(

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EU fade out.
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Battery at 1%...
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Paula salva apressada o trabalho na pasta "Contos & Poesia - Experimentações do EU". Fecha o editor de texto e segue pensativa com seu copo de cowboy na mão, em péssima companhia de Sonata para Piano No 14. Antiquada que não se emenda, dá início a mais uma insuportável degustação de Ilíada a varar pela madrugada. Não em prosa. Em verso. Lamentável...
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EG
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domingo, 12 de julho de 2009

O Cortejo

Deslizou a mão na pelúcia macia de Pebbles e a gatinha ronronou desolada - sentia não poder levá-la a Bathgate Procession. Aprumou o vestido de cetim, retocou o batom - quem diria, vermelho - e posicionou sua coroa de princesa, envolta a cachos desgrenhados. Já pensou em domá-los, mas foi aconselhada pelos seus novos amigos do programa a se manter exatamente desse jeitinho. Criaturinha simples, ar saudável de aldeã, bem típica moradora de West Lothian. De bochechas rosadas. E assim o mundo se rendeu a seus pés. Esse ano prepararam uma carruagem só para levá-la em cortejo pela procissão. De princesa, como nos sonhos. Depois do estrondoso sucesso no concurso de calouros, virou uma figura importante na cidade. Escócia e o planeta inteiro de joelhos após ter estremecido o teatro com sua voz de mil anjos. Olhou o porta retrato da mãe e chorou. Sentia falta até dos momentos em que precisava carregá-la até o banheiro. A única a chamá-la de princesa. “Minha pequena princesa”, murmurava. Mas depois do Britain’s got Talent, quem diria, passou a ser chamada assim até pelos rapazes que antes a apelidavam de Memeia. Imagina se sua mãe pudesse vê-la... Que orgulho. Avisou ao padre que interromperia os trabalhos voluntários na paróquia. Queria reinar. Um reinado longo e feliz. Quem sabe na procissão, enfim, não borraria o batom vermelho no seu primeiro beijo. Taquicardia. E antes de sair, tirou do forno o bolo de chocolate que preparou para mais tarde, à noite, comemorar seus cinquenta anos. Na companhia da sua melhor amiga.

Pebbles, por certo, a aguardaria muito ansiosa.
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Susan Boyle, por EG.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

39,5°

13:31
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...de súbito foi sugado pelo vácuo entre o não-ser e sua cama. Chocou forte as costas contra o colchão de molas, o que fez suas pernas chutarem o ar com o refluxo da queda. Abriu as pálpebras apavorado e custou a reconhecer o ambiente. Tentou virar de lado, mas o furúnculo da nádega esquerda incomodou. Limpou o suor da testa cravejada de brotoejas e se esforçou pra acalmar a respiração; e só então reconheceu seu quarto pelas rachaduras na tinta branca do teto que circundam um ventilador de palhetas empoeiradas e enfeitadas com teias de aranha. Febril, de novo experimentara a enlouquecedora queda livre no absoluto nada...
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14:10
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Uma francesinha passou correndo pelo espelho da cama. Franziu o cenho tentando visualizar o lugar de onde acabara de ser arremessado. Sua intuição lhe remetia prum caminho de terra com poças lamacentas, que enveredava por uma vegetação seca. Trilha estreita e recheada de pisadas antigas, perdidas no tempo - todas apontando para a mesma direção. A lembrança desse lugar e dessas pisadas desconhecidas não lhe traziam uma sensação muito agradável. Sentia-se desolado. Quis chorar. E enquanto se debatia mentalmente tentando juntar peça por peça, ouviu um crack. Suspendeu a respiração, retraiu os músculos e aterrorizado decidiu só enxergar o escuro. Olhos bem apertados, cobriu o rosto. A maçaneta acabara de ser forçada.
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16:58
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...os braços começaram a inchar dando lugar a dois enormes balões. Cresceram tanto que até perderam os contornos. Braço, cotovelo e antebraço viraram uma única peça arredondada, deformando a sereia do ombro, antes curvilínea e enigmática, agora melancólica obesa cuja calda passou a lembrar uma baleia orca. Além do tamanho, o peso descomunal dos membros o impedia de levar as mãos até o rosto e secar novamente o suor da testa, que pingava encharcando o lençol azedo que há mais de uma semana não era trocado. Uma corrente gélida percorreu o quarto vindo de lugar nenhum, mesmo estando a única janela sem mínima fresta sequer. Arrepio. Dentes e lábios em tremelique.
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18:01
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Uma labareda incandescente lambeu seu corpo e derreteu a pele que escorria por uma carne já estorricada. Sentiu algo macio e molhado passando pelo seu rosto chamuscado. E nada de ouvir um som humano vindo em seu socorro, muito menos uma sirene salvadora. Era só um chiado de um programa de auditório ao longe e tristes grunhidos de um cão sarnento e choroso.
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EG
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* retalhos abstratos nos intervalos de relatórios financeiros e análises de lucratividade...return of equity (ROE) yty (year to year) worse by 0.6 basis points...gross profit (GP) flat qtq (quarter to quarter), driven by lower volumes compared to cost of debt increase...no performance improvement is expected at a short term.