segunda-feira, 30 de março de 2009

PULSÃO E RENÚNCIA

Foto: Pedro Meyer
Still Cena 9
Atores: Bruce Araujo (Jacques) e Ana Luisa Leite (Lourdes)


* Curta Metragem em fase de pós-produção. Direção: Philippe Bastos. Direção de Fotografia: Pedro Meyer. Direção de Arte: Martine Brillard. Produção de Elenco: João da Hora. História Original e Roteiro: EGibson

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1 - TELA ESCURA
Som de canto Gregoriano. Letreiro com o nome do filme. A tela começa a clarear. Um chicote bate violentamente em costas ensanguentadas. Seguido a cada chicotada, som de gemido abafado.

ESCURECIMENTO

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2 - INT. CORREDOR/CELA MOSTEIRO – NOITE
Corredor COM POUCA LUZ. Portas de ambos os lados. Um monge sineiro passa tocando uma sineta.

3 - INT. CELA MOSTEIRO – NOITE
Quadro na parede com OLHAR de Jesus Cristo com coroa de espinhos - ele tem mãos perfuradas. Pequena janela aberta. Luz da lua. BARULHO DE SINETA ficando cada vez mais fraco, afastando-se. Quarto com decoração simples, com pouca mobília - uma cama de solteiro, uma cruz de madeira na parede, uma pia pequena e um criado mudo com uma uma bíblia e uma vela. DEITADO NO CHÃO DO QUARTO, numa esteira ao lado da cama, JACQUES - rapaz por volta de vinte e dois anos, magro, alto e pálido, vestido com uma camisola comprida de monge e um crucifixo de madeira no peito. Jacques põe-se de joelhos, faz o sinal da cruz, reza um pouco de cabeça baixa. Após alguns segundos, levanta-se, tira a camisola, vai até a pia e lava o rosto – SUAS COSTAS TÊM MARCAS RECENTES.

4 - INT. GALINHEIRO – DIA (Ao amanhecer)
SOM DE CACAREJOS DE GALINHAS. LÚCIO, cozinheiro do mosteiro, homem bronco, por volta de cinquenta e cinco anos de idade, tatuagem no braço, tenta apanhar uma galinha no meio de várias. Apanha uma. Segura-a pelas asas e coloca-a dentro de um cesto, onde já existe uma outra.

A. Uma faca é amolada numa pedra.

B. Pescoço de galinha sendo cortado – o sangue aparado num recipiente.

C. Galinha presa pelos pés é retirada de uma panela fervendo.

D. Galinha sendo depenada.

5 - INT. CORREDOR/BIBLIOTECA – DIA
A. Um monge caminha pelo corredor de um pátio vazio. OLHAR de estátuas de santos espalhadas pelo corredor. Silêncio, apenas o BARULHO DE SUAS PASSADAS. O monge chega ao final do corredorr e entra por uma porta.

B. uma biblioteca grande, onde, sentado e lendo um livro, está Jacques. O monge da sequência anterior - do corredor - aproxima-se de Jacques e lhe sussura algo.

6 - INT. SALA – DIA
Sala com móveis de madeira, estantes com muitos livros. OLHAR de Jesus Cristo, crucificado. No meio da sala, uma mesa ocupada por ABADE JOSÉ – homem por volta de setenta anos, de cabelos brancos, ligeiramente corcunda. Jacques está parado a sua frente.

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ABADE JOSÉ
Depois de amanhã por certo estarão novamente aqui para vê-lo.

JACQUES
Senhor, acredito que ainda não seja a hora.

ABADE JOSÉ
Filho, sua dedicação é admirável. Mas por um instante tente se colocar na posição de seus entes queridos. Eles sofrem. Não espere deles tanto desprendimento. Ver você por alguns minutos será um alento aos seus corações.

JACQUES
Por favor Abade José. Há um caminho longo a ser percorrido. Não me peça por favor pra ter contato com o mundo. Não agora.

ABADE JOSÉ
Muito bem filho; sendo assim cuidarei pra que sua família compreenda sua decisão.

JACQUES
Eu agradeço Abade. Substituirei o dia de visita pela clausura e meditação. Sua licença.

ABADE JOSÉ
Como queira filho, pode ir agora.

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Jacques vira-se, e quando está próximo à porta, é chamado pelo Abade. Jacques volta-se para o Abade.

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ABADE JOSÉ
Jacques. A partir de agora gostaria que você trocasse algumas horas de sua meditação matutina por ajuda ao Lúcio na cozinha. Um pouco mais de atividade comunitária lhe fará bem. Assim como acredito que fará bem a Lúcio a sua companhia. Essa pobre alma...

JACQUES
Sim senhor Abade.

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Jacques vira-se e sai da sala.
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7 - INT. COZINHA – DIA
Cozinha industrial, ampla e com vários armários. No centro, uma mesa grande com um cesto de maçãs. Fogão antigo, de seis bocas, com panelas grandes no fogo. Lúcio, de avental e lenço na cabeça, corta uma galhinha com uma faca. Jacques, também de avental e lenço na cabeça, retira feijão de um saco grande e enche um pote grande de mantimentos. Jacques observa Lúcio.

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JACQUES
Como você suporta?

LÚCIO
(sem parecer interessado na conversa)
Do que você tá falando?

JACQUES
A consciência, o peso... Interromper a vida de uma serva de Deus.

LÚCIO
Paguei o que a sociedade me exigiu, não? Todos aqueles intermináveis anos de prisão...(pausa) Me parece um preço justo.

JACQUES
E quanto ao que será cobrado no juízo final? Não teme?

LÚCIO
(sem desviar o olhar pra Jacques)
Invencionícies. Arte criada pelo homem pra se afastar do homem.

JACQUES
Pra alcançar o divino.

LÚCIO
A fera acorrentada.

JACQUES
O homem nasce bom, Lúcio.

LÚCIO
O homem deseja.

JACQUES
A fé o liberta do mal. E alivia seu coração.

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Detalhe na galinha sendo cortada. Jacques acaba de encher o recipiente e amarra o saco de feijão. Jacques joga o saco nas costas com dificuldade.

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LÚCIO
É como todos se sentem aqui? Livres?

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Jacques deixa a cozinha carregando o saco nas costas.

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EG

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Conto de Carnaval

Era Segunda de carnaval. Noite. Voltava de uma rodinha de amigos na areia da praia de Ipanema. Todos explodindo em gargalhadas idiotas. Penso que por conta um pouco do álcool, mas principalmente pelo espírito de festa que contagiava a todos. Muitos foliões eufóricos e ridículos num vai e vem sem objetivo pelas ruas. Nunca entendi muito bem essa coisa de abobalhar só porque é carnaval. Mas enfim, meus amigos haviam insistido tanto, que acabei cedendo e aceitando o convite pra engrossar o caldo de desocupados na cidade. Passávamos na calçada de uma loja cuja vitrine exibia inúmeras sandálias havainas. Eram sandálias de todas as cores. Uma palheta bem variada. Algumas com penduricalhos nas tiras. Estavam dispostas lado a lado na prateleira, formando um mosaico vibrante. Não sei se por conta das cores intensas das sandálias havaianas, se por conta da dose de álcool nos miolos ou mesmo pelo clima de orgia que toma conta das pessoas nessa época do ano, sinceramente não sei explicar, mas numa fração de átomos de segundo, menor que uma piscadela de pálpebras, fui invadida por uma sensação estranha e assustadora. Ressalto: invadida. De repente tudo escureceu. E eu já não estava mais entre meus amigos. Havia sido arremessada pra uma outra dimensão, sei lá como posso chamar esse estado de espírito. O mais assustador: você estava em mim. Sentia seu cheiro, sua textura e sabor. Minha boca imediatamente transbordou de água. Devo ter salivado. Com certeza salivei. A ponto de um filete escorrer, pingando na minha camiseta amarela. Similar ao que acontece com minha cadela sempre que sabe que vai ganhar um biscoito. Tinha certeza. Era você. E eu segui caminhando pela calçada, sabe-se lá como, sem conseguir ouvir ou ver mais nada ao meu redor. Só conseguia sentir você ali presente, dentro de mim. Pra ser mais precisa, na minha boca.
Bem, se essa experiência tivesse se dado em rasgos de segundos, vai lá, eu não me impressionaria tanto assim. Classificaria como uma rápida e furtiva alucinação, fruto de uma mente alcoolizada e apaixonada. Em outras situações no passado, sob efeito da paixão cega e louca, com meus hormônios nos píncaros da glória, já fui capaz de reproduzir na mente, por alguns segundos, o perfume do amado; a ponto de me questionar se ele estaria ou não pelas redondezas. Até aí nada demais. A mente tem esse poder, cientificamente comprovado. Acontece que essa espécie de abdução - acho que o termo não poderia ser mais apropriado -, era totalmente nova, eu diria algo fantasmagórico. E a coisa se prolongou por uma quantidade considerável de tempo. Aliás, tanto o conceito de tempo quanto o de espaço já não se enquadravam nos moldes conhecidos. Eu estava suspensa, numa realidade paralela ao que acontecia em Ipanema. Não se tratava de uma sensação, eu de fato tinha você entrando e saindo da minha boca. E não adiantava eu tentar me afastar ou pedir pra que parasse. Era você quem controlava a situação; e, a julgar pela forma com que a coisa se deu, sem prévia solicitação, insinuação, ou qualquer preparação mínima que fosse, muito pelo contrário, de forma abrupta e repentina - bruta – conclui que você não pararia mesmo se eu suplicasse com os olhos lânguidos e aquosos. E lá caminhava eu pelas calçadas de Ipanema, cercada de amigos e com você dentro de mim. Macio. Quente. Salivado e pulsante, em movimentos escorregadios de vai e vem na minha boca. Me desesperei. Um desespero misturado a excitação natural que um ato desses suscita, potencializada pelo fato de não saber ao certo o que estava acontecendo; excitação essa - quero que fique claro - arrancada praticamente à força. Desespero por ainda existir um fio de consciência, fino e frágil, que me lembrava a todo instante que eu me encontrava em plena via pública; com a possibilidade de haver pessoas escandalizadas a minha volta, assistindo a tudo, perplexas com seus queixos arriados. Como eu seria capaz de explicar a elas essa cena tão David Lynch? Tive vontade de gritar pra todos ao meu redor que a culpa não era minha! Que eu estava sendo praticamente violentada por um fatasma seu! Mas como? Se todos os espaços da minha boca estavam tomados por você? Na realidade o único som que eu conseguia emitir era o de gemidos abafados. Então você passou a acelerar os movimentos. E meus batimentos dispararam descontroladoramente. Minha respiração, arfante, chegava a fazer ruído. E assim seguimos, eu e o fantasma de você, unidos de forma irrefutável, por dois quarteirões inteiros. Talvez três. Pra ser mais precisa, levitando. Até que, chegado o momento grandioso do espetáculo, fui tomada por uma onda que não sou capaz de descrever com palavras, e, enfim, você obteve o que foi buscar. E escorreu pela minha garganta, me inundando de um gosto acre e forte. Você, até então mudo, emitiu um grunhido de satisfação, desses que você sabe muito bem. Já então leve, foi saindo devagar, e sumiu, tão inexplicavelmente como chegou, sem ao menos um adeus, um até logo. Sumiu num outro piscar de pálpebras, como um ninja numa cortina de fumaça. Abri os olhos e tonta, quase caí na sarjeta. Só conseguia ouvir um dos amigos chamando pelo meu nome. Aos poucos fui retornando ao convívio deles, meio sem forças, meio encabulada, provavelmente enrubescida. Um amigo perguntou o que havia acontecido. Em estado de choque, muda estava, muda continuei meu caminho.
EG

domingo, 29 de março de 2009

As Santas

Foto: Virgem Maria

Ó Virgens Santas que povoam esse mundo afora
com vossas almas de infinita generosidade e bondade!
Que tanto contribuem para felicidade do planeta
Suplico a vós,
pela loura pureza de vossos cabelos
ou pelo azul celestial de vossos olhos
Lembrai-vos sempre de puxar a descarga
Para que mortal nenhum jamais se depare
com vossas fétidas e pútridas
hipocrisia e soberba

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EG

sábado, 28 de março de 2009

Minha Mendiga Vizinha

- a que mora na ponte ao lado...

Surrado chapéu pedinte na mão
Esmolando com dor a tua porta
incansável eu espero ansiosa
por tuas raras migalhas de pão

Rasgada mal cheirosa verdade
Espectro roto de um quase urubu
por só hoje implora o teu amor cru
mas surdo caminhas, cruel vaidade

E teu pé tropeça nos trapos em volta
Cobertores pra mais uma noite em vão
que na pressa, coitado, nem notas

Mas lanças do alto de tamanha bondade
no peito em ferida, sangrando e nu
moedinha, pra mim felicidade

Deus te pague moço! *

* A atenção, o cafuné, o peito depois do gozo, a sinceridade a toda prova, o abraço acanhado e a tentativa de beijo!!, o prato de comida, o docinho da padaria!!, o par de calças, a camisa velha do papai, o cobertor pra noite fria, enfim! Deus te pague tamanha caridade!!! Ó BOM MOÇO! Que tuas noites sejam tranquilas e quentinhas! Que durmas em paz!! e, principalmente, acordes em paz, seguro de que fizeste tua parte no "jogo"...

EG

sexta-feira, 27 de março de 2009

Cinzas de um Sutiã - 2

:-) :-) :-) :-) :-) Abril, dia 04 de 2009. Hoje enfim inauguro meu blog.... Por um instante sou de novo a menininha de maria chiquinha do passado. A que ia correndo à papelaria, ansiosa, com alguns trocados na bolsinha a tiracolo pra comprar um diário com cadeado e chavinha de prata. Daqueles cheios de motivos fofinhos e cor de rosas. Mas reconheço que há uma certa diferença entre meu diário de infância e esse, que a Ju - mulher feita e bem resolvida, do alto dos seus trinta e pouquinho anos! - inicia hoje. Antes, só eu, Deus e minha única melhor amiga da época tomavam conhecimento dos segredinhos e angústias que povoavam minha mente infantil; fazendo figa pra que mamãe não encontrasse meu tesouro escondido no fundo da gaveta. E se o encontrasse, que a chavinha de prata fosse suficiente pra impedí-la de seguir adiante. Ah.., hoje não! Como disse, sou uma mulher feita e muito bem resolvida! Pra começar, não tenho uma única melhor amiga, mas uma dezena delas – todas amigas companheiríssimas, solidárias, fieis e sinceras até a morte. Com quem choro e dou gargalhadas maravilhosas. Hoje, darei conhecimento da mulher que me tornei não só a Lu, Pri, Gê, Za, Ru, Rê, Rô, Tê ou Gô (Gô de Goretti) – e muitas outras que não vou citar pra não me prolongar demais – mas simplesmente ao planeta todo! Que incrível! Farei parte dessa rede de pessoas famintas por novos vínculos afetivos, por uma palavra certa na hora certa. Um apoio, um consolo pros seus corações aflitos. Hoje não há sequer uma sombra daquela criança insegura. Hoje não preciso mais do cadeado e chavinha de prata. Acho que a mulher na qual me transformei tem muito a dizer ao mundo! E não se envergonha do que tem a dizer! Minha generosidade não me permite guardar tudo isso só pra mim. Quero compartilhar com o mundo! Quero fazer mais um milhão de novas melhores amigas. E melhores amigos também, por que não? Porque acredito sinceramente na amizade despretensiosa entre homem e mulher. Serão muitas almas ávidas por ouvir o que tenho a dizer. Almas que serão tocadas pelas minhas palavras. Que me devolverão comentários emocionados e agradecidos. Afinal de contas, também sou uma poetisa. E das boas!! Quero compartilhar com o mundo a minha poesia leve, cândida, feminina... Bem, vejamos, comecemos pelo perfil. Que tal algo assim original, pra diferenciar de tantos e tantos clichês que vejo por aí? “Sou aquela que se perde, que se encontra, que se perde de novo e se reencontra, que é fim, que é começo, que é uma lágrima, que é um sorriso, que transborda em cores, nuances e brilhos – uma gaivota! – uma nuvem que passa, um rio de águas calmas, mas que pode se tranformar a qualquer instante em um oceano revolto, posso ser simplesmente uma brisa, como também um vendaval – depende dos seus olhos, amor –, uma menina e suas tranças - quando quer -, uma mulher e seu salto alto - quando precisa -, sou a parte, sou o todo, enfim, uma carioca feliz e gente boa, orgulhosa da sua cidade...”. Acho que ficou bom. Ficou poético. Quase uma Clarice Lispector! Incrível como ultimamente minha veia poética tem gritado, desesperada. Não podia ter escolhido melhor momento pra iniciar meu blog.

Abril, dia 05 de 2009. Hoje escrevo meu primeiro post... Vou inaugurar falando dele. Mesmo eu tendo chorado um mar de lágrimas quando ele se foi, escolhendo ficar com a Lu, sou uma mulher bem resolvida. Daquelas que cai, sacode a poeira e segue em frente! Consegui me reerguer até mesmo depois que ele começou a namorar a Rô – que convenhamos, foi coisa passageira, coisa de alguns dois meses apenas... As escolhas dele me fizeram sofrer mas não me impediram de guardar doces lembranças dos momentos que vivemos. Do cheiro dele. Do toque da pele, da voz, da maneira como ele me tomava com volúpia, do quarto, da varanda - tão ampla - onde costumávamos fazer amor ardentemente, embalados pela doce brisa da tarde - posso ilustrar essa parte com aquela foto linda de varanda, que catei na internet. Assim como lembro das tórridas vezes que gozamos, suados e cansados, sob o balanço daquela rede que compramos na nossa inesquecível viagem ao Nordeste - agora posso ilustrar com a foto do casal sarado sem roupa, que também desconheço a autoria, bahh, pouco importa... Momentos só nossos, onde ele foi 100% meu, tenho certeza! Lembro do vasinho de violeta na bancada da varanda. Um passarinho costumava pousar na janela - tenho foto de passarinho também. Foi tudo tão lindo... Hoje somos grandes amigos, mesmo ele já tendo me feito chorar um pouco, é verdade. Nada de brigas, nada de destemperos, ciúmes e ressentimentos. Minha filosofia é sem dúvida a do desapego!!! Eu o perdoei! E o perdoaria mil vezes. O perdão é para os espíritos evoluídos! Ele é um cara legal. Um cara gente boa! Um bom amigo. Me restou a amizade... Fazer o que? Eu esvaziei o baú. Mas minhas lembranças mantenho! Faço questão!!! Não suportaria viver sem elas... Isso significaria cortá-lo pra sempre da minha vida... Pra quê? Se ele no fundo, no fundo, sempre foi tão bom pra mim... Bem, mas ele se foi né? Então pronto! Foi tranquilo! Seguiu sua nova jornada. Sou bem resolvida. Que seja feliz com a Gô, sua atual esposa e novo amor... Sábado que vem é o batizado do filhinho deles, o Júnior. Uma gracinha. Um dia serei eu a ter meu pimpolho. Preciso comprar um presentinho pro meu afilhado. A vida é assim mesmo. Fico aqui aguardando ansiosa pelas novas lembranças que se Deus quiser serão construídas, enquanto sigo escutando “nossa” música... a do nosso Chico Buarque. :-( :-( :-( :-( :-(

- Enquanto ouvia as atrocidades que iam sendo narradas, a delegada olhava pros hematomas em seu rosto, que a desfiguravam. O olho esquerdo mal conseguia abrir. Alguns dentes arrancados da boca. Apesar de presenciar diariamente esse tipo de cena, era sempre como se estivesse vivenciando pela primeira vez. Os sentimentos de revolta, indignação, impotência, eram sempre tão intensos como no primeiro depoimento. As histórias daquelas mulheres colavam em sua mente, uma a uma. Às vezes se questiona se não teria sido melhor seguir na área trabalhista... Bom, pelo menos o covarde não saiu impune. Aquela figura franzina ali sentada e suja de sangue, chorosa, semi analfabeta, de cabeça baixa, olho roxo e coração partido, não era uma vítima (ré?) comum. Cansada de contínua humilhação, dessa vez não deixou assim tão barato. Que o digam o covarde e suas partes íntimas - bêbado-filho-da-puta! E ela jamais seria capaz de condená-la...
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EG

quinta-feira, 26 de março de 2009

Impenetrável

Foto: EGibson
Tóquio, 2006
Armadura de Samurai
Em proteção à nuca,
abdômem e crânio
Inatingível em honra
a minha doce eterna donzela...
- Ó! Sacro encastelado passado!
Em proteção ao peito,
e a essa rocha que pulsa (?),
oculta, entre muralhas tão frias

quarta-feira, 25 de março de 2009

Cinzas de um Sutiã - 1

Acaba de chegar da Noca. Dessa vez tirou uma penca de cutícula. Aproveitou pra tratar também daquele calo – agora essa rodela avermelhada e inchada no seu dedo médio. E antes ainda tem que passar no Souza! Mas dessa vez só vai ser um retoque na raiz e uma escova básica. Nada de hidratação. Não pode se atrasar. “Deixo a Marroquina pra semana que vem. Quando ele já não estiver por perto”. Complicado ficar três dias sem lavar o cabelo agora. Imagina! E o cheiro de formol? Enquanto isso se vira com a chapinha mesmo. Dessa vez o romance emplaca! Tudo vai ser perfeito, mas com um toque de naturalidade. Como se não tivesse movido um dedo! Por falar em impressionar, precisa ligar pro empresário e marcar um almoço. “Onde tá mesmo o cartão que ele deu?” Sabe que não será difícil fechar esse contrato – basta lembrar dos olhares dele... Ainda bem que decidiu ir a esse jantar beneficente da titia ontem! Tudo bem que sua comprovada competência, charme e simpatia – sinceramente? suas curvas também – são a chave do seu sucesso, mas reconhece que uma forcinha da família influente, sobretudo na política, não chega a ser um pecado assim tão hediondo. Entre coqueteis, jantares, festas e, convenhamos, muito champagne, é que se tecem as melhores redes de contato. Que coisa! Como é que nada disso é ensinado no MBA? Sentia-se deslumbrante ontem... Mal dá pra acreditar o quanto já brigou com o espelho no passado. Não sente saudade daquele tempo. Odeia as fotos da juventude – se é que é capaz de odiar alguma coisa, pois hoje só cultiva sentimentos nobres, compatíveis com seu porte altivo. Agora falando sério, dá pra suspeitar que um dia esse corpo trabalhado já carregou aquela quantidade de quilos extras? Pshiiii! Pensa baixo louca! Isso se chama força de vontade! Ô santo bisturi milagroso! Mas isso tudo é bobagem! O que importa mesmo, mesmo, mesmo, é se sentir bem aqui dentro, óóó! A cabeça, lindinha! A cabeça... “Na cabeça está o segredo da verdadeira auto estima. Bisturi e muita malhação são só complementos a essa conquista interior”. Amanhã deve sair a nota no Carlinhos. Nota nada, uma coluna inteira! “Será que me saí bem com as perguntas?” Perelá! Ai meu Deus, será que essa abusada dessa raiz ficou ressaltada na luz do refletor? Pôxa vida, por que não nasceu com o cabelo um pouco mais claro? Isso a pouparia do calvário da tinta. Porque, vamos parar de nhem-nhem-nhem, homem gosta mesmo é de loura, e do tipo peitão-bundão! E quanto a isso, sentia-se simplesmente tu-do-de-bom! Tudo que há!! E ainda por cima, pense numa mulher elegante! Era ela. Citou Gabriel Garcia Marquez! Olhe só! Claro! Não adianta ser SÓ bonita, SÓ cheirosa, SÓ profissional de sucesso, SÓ doce e meiga e amiga, com um coração desse tamanho. Tem que mostrar que pensa e que é muito instruída. Que está preparada pra falar sobre qualquer coisa! Política, literatura, cinema, e o que não pode faltar, lógico: MODA! Pra complementar, sabe preparar uma macarronada de comer de joelhos... Porque é mulher, e uma mulher eclética, versátil! Ela lê muitos clássicos, sabe? Mas seu forte é sacar frases originais e espirituosas. E em nome de tamanha originalidade é que atirou ontem na lata do colunista: “Quero escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho”. E arrematou com um sorriso largo e luminoso, desses que se vê as gengivas rosadas que tanto enfeitiçam os marmanjos. Essa frase não podia faltar. É sua frase de miss – seu grande sonho de criança; quando todos comentavam do seu rostinho de princesa. Humm... Pensando melhor é prudente que a ordem dessa frase seja revista – por conta dessa tal de urgência biológica, entende? “Sei que vou ser uma mãe muito zelosa! Adoro crianças! Me dou bem com qualquer uma... Ai minha Virgem Maria, será que ainda dá tempo?” Percebe-se uma certa inquietação – uma pitadinha de leve – quando assim, quase sem querer, lembra que os trinta já começam a ficar um tanto distantes... Mas quem sabe dessa vez hein? Afinal tudo indica que esse é o cara. Mesmo sabendo que ele não é o tipo que casa fácil. É do tipo resistente! E ainda tem a distância. Mas isso ela dá um jeito. Já consegue até se ver, toda loura e radiante, dentro do seu vestido de princesa, toda de branco, pra combinar com sua alma e caráter... “Ei, onde será que foi parar o rímel que a tia Leda trouxe de Paris?” Ah! Droga! Tava na bolsa que o pivete levou! Com essa já são cinco vezes! Sua coleção de bolsas ficou agora desfalcada. Tinha que ser logo a da última coleção de inverno? “Ah! Esse governo que não tira esses meninos da rua... Esse não passava dos dez!” Como isso a deprime, coitadinha! E quando o mendigo não quis esmola? Mas apenas um sorriso? Seu coração partiu... Tira seu sono tanta injustiça social! Precisa lembrar de fazer alguma coisa pra ajudar. Acha até que vai pedir pra aumentar a contribuição mensal do orfanato... Acaba de ter uma ideia! Vai comprar um mimo pro amado. Nada muito sofisticado. Talvez uma momblanc. Mas um modelo básico! Nada de ostentação... DECIDIDO. Vai dar um pulinho no shopping no caminho pro salão. Aproveita e compra aquele par de brincos enormes pra usar na sua ocasião tão especial de hoje. “Mulher tem que usar brincão! Isso devia ser uma garantia constitucional!” Não pára de contar as horas pra se atirar novamente naqueles braços. “Ai, meus dedos! Acho que dessa vez a Noca pegou pesado com o alicate....”

– e o despertador massacra às 4:30 da manhã. Abre os olhos. As pálpebras pesam. Um dia inteiro pela frente. Aterrorizante a ideia. O aluguel vence hoje e ela só tem parte do dinheiro. Faz força pra se arrastar até o banheiro. Sente-se só. Sem esperanças. Vontade de chorar. Acabou o leite. Mas ainda tem o café, o açúcar e algumas baguetes. Macarrão, feijão e uma saladinha pro almoço de hoje. Então ainda está tudo bem... Sorri e já consegue caminhar. Lembra que seu filho precisa de um atlas. O livro de Geografia que distribuiram esse ano veio com dois Paraguais! E veja só, sumiram com o Equador! Sente-se humilhada... DECIDIDO. Vai dobrar o turno de hoje...


EG

Referência a essa postagem...

domingo, 22 de março de 2009

A Roupa

Foto by Sérgio Caddah - Série " Sonhos de Criança"
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Nasci. E essa roupa não me cabe. Espreme meus sonhos. Aperta minha garganta. Sufoca meu texto. Não me deixa caminhar. Mas foi essa roupa que me deram quando cheguei por aqui. Disseram que eu deveria ser forte. Que quando homem fosse, minha própria roupa escolheria. Fazer o que? Reconheço que preciso deles. Senão de fome eu morro. Com a garganta seca. Sem um colo que me proteja. Esquecido num canto. Invisível.

_ Olha só como tá um homenzinho!
 
Então sigo assim apertado. Aguardando ansiosamente o dia em que serei grande. Que meu grito de alívio finalmente seja ouvido. E meu passo, então livre, seja tão largo que eu enfim possa te alcançar. Pra berrar no teu ouvido o quanto sempre te quis. Que estive sempre ao teu lado. Só não fui visto antes por entender que soluço é pra ser engolido. Sempre ereto, de banho tomado. Nada de mancha, nada de ruga. Pois essa roupa é que me destaca dos fracos. E fraco não quero ser! Quero ser homem. Quero ser macho. E macho não se curva. Nem mesmo num abraço.
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Coro: BRAVO!

Já eu nasci um pouco depois. E também ganhei o meu vestido. Ele é assim bastante florido. Disseram-me que é de princesa. Que encantaria a todos. Cá pra nós eu prefiria outro corte. Um mais simples, sem tanto porte. O laço também aperta. Bem aqui ó, no meu peito. Dói de fazer bico! Outro dia corri, tropecei e caí. A barra é muito comprida. Mas assim mesmo sempre corro, faceira. Por isso tu não me alcanças. Acontece que de tantos tombos, já não está assim tão garboso o vestido. Seu tecido, um tanto roto, já não se encontra a tua altura, meu impecável-príncipe-e-macho. Por isso eu choro e ajoelho. Por isso tento agradar de outras maneiras. Assim deve ser uma princesa. Dócil. Transbordando bondade. A futura e amada esposa.

_ O que é isso menina? Onde está o brilho nos lábios?!
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Na corrida perdi também a maquiagem. Que se foda.
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EG

terça-feira, 17 de março de 2009

GUERREIRO!

"Hector's Corpse"
Johann B. Probst (1673 - 1748)
Fine Arts Museum of San Francisco



De narinas
arfadas,
da lança
o zunido
de punho
cerrado
eu, guerreiro faminto
degolo cabeças
sedento de
sangue.
Meu escudo
implacável
arremesso em teu crânio
vil inimigo
amasso teu ego
trituro teus
ossos
e arrasto
por terra
teu corpo
ferido
--
A maciça
armadura
(no próprio vulcão,
Hefestos forjou!)
jamais
transpassada,
reluz!
Tão pesada...
--
Em único golpe
e o minúsculo
músculo,
prenda de guerra
do peito arrancado
Ainda pulsa
Quente!
Entre meus dedos
- valente e franzino.

O assombro
ao ver
que teus olhos de colo
teimosos
não se cerram!
Mas procuram,
banhados em lágrimas,
meu olhar aflito
escondido
na fresta do ferro
--
- eu, solitário menino

EG

sábado, 14 de março de 2009

Espera

Foto: EGibson - Dez'07
Lua cheia em Macapá...



Uma noite mais te espero
Ansiosa pela mordida, que por sorte
Libertar-me-á da morte em vida
Presenteando-me com vida em morte

Não demores pois,
Senhor Absoluto da Noite Eterna
que minha janela mantenho aberta
que meu sangue, como a vida, eferva
E a luz cruel do amanhecer
Dentre em pouco,

nos roubará as trevas

EG

quinta-feira, 12 de março de 2009

DESPEDIDA

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1 - INT. APARTAMENTO - DIA
Sala em desordem. Mesa com um lap top, uma pilha de papéis e uma uma garrafa de cerveja. Estante com muitos livros e CD’s. No chão, espalhados, mais livros (vários de mitologia grega) e alguns LP’s de música clássica. Ouve-se um solo de violão (Serenata do Adeus - Baden Powell e Vinícius de Moraes).

PEDRO (V.O.)
Prazos!!! (pausa)... Escuta uma coisa importante Ivan: uma conclusão mal resolvida compromete a narrativa inteira! (pausa prolongada).

Pedro, quarenta anos de idade, está em pé, na janela, falando ao telefone, fumando um cigarro e olhando para rua, onde o trânsito é intenso. Está vestido de maneira relaxada; barba por fazer.
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PEDRO
Ivan, já disse, sem pressão! Essa mania terrível... Tudo se resume ao maldito lucro! E a Literatura meu caro? Como fica? La littérature! L'art, Ivan. L'art...

Pedro caminha em direção à mesa e senta-se de frente pro computador. Dá um gole na garrafa de cerveja e olha para um texto na tela. Ao lado do computador um cinzeiro cheio de guimbas de cigarro.
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PEDRO (ainda ao telefone)
Dane-se o editor! Por que ele não vai pertubar o imortal? Fala pra ele que meu negócio é outro! É Literatura, meu caro! A propósito, ele sabe o que é isso? (pausa prolongada). Okay. Muito bem, conversamos amanhã (pausa). Tô calmo! Abraços.
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Pedro desliga o telefone e transtornado, calça um sapato, pega um casaco e sai, batendo a porta.

2 - EXT. RUA - DIA
Pedro caminha pelas calçadas com expressão angustiada e desorientada. Esbarra em pessoas e atravessa rua correndo com o sinal de pedestre já piscando, prestes a fechar. Pára em frente a uma loja de instrumentos musicais e observa por alguns minutos violões expostos na vitrine.
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INSERT
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Uma mulher toca uma música erudita num violão - ela tem trinta e cinco anos, bonita.
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FIM INSERT
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Uma mão toca o ombro de Pedro. É o vendedor da loja que oferece ajuda com o produto da vitrine. Pedro agradece (a conversa não é ouvida).

Pedro volta a caminhar. Segue pelas ruas com expressão pensativa. Ao longe, em pé num ponto de ônibus, a mesma mulher do INSERT ANTERIOR (a que tocava violão). Os olhos de Pedro se enchem de lágrimas.

Pedro corre até ela, segura-a pelos ombros e olha diretamente em seu olhos. Os objetos que ela segura caem no chão. Aos poucos o rosto da mulher começa uma lenta transformação, até tornar-se um rosto que não é mais o da jovem do violão. Pedro solta-a. A mulher, assustada, empurra Pedro e afasta-se pra trás. Pedro abaixa-se e apanha os objetos no chão enquanto mantem o olhar fixo nela. Entrega os objetos a ela e pede desculpas (a conversa não é ouvida). Nervosa, a mulher pega seus pertences, vira-se e sai apressada, quase correndo

Pedro volta a caminhar, parecendo muito mais pertubado ainda. Muitas mulheres passam por ele e algumas delas momentaneamente têm os rostos transformados no rosto daquela que tocava violão, pra logo em seguida voltarem ao normal. Transtornado ele pára, segura a cabeça com as mãos e se desespera.

3 - INT. APARTAMENTO - NOITE
Pedro, deitado, levanta abruptamente o tronco da cama onde dorme. Quarto à penumbra. Permanece sentado na cama com olhar atônito. Cambaleante, levanta-se e caminha em direção a uma cozinha. Acende a luz, abre a geladeira e enche um copo com água. A cozinha é pequena e aparenta desordem. Pedro dirige-se à sala (mesma da CENA 1), levando o copo. Senta-se à mesa, de frente para o computador. Tela do computador com um texto.
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NARRAÇÃO (em off)
"Ele, o insignificante umbigo do universo, rodeado por gigantes. Foi pra isso que viveu todo esse tempo? Pra acabar assim?”.
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Pedro incia uma digitação compulsiva. O texto na tela vai aumentando.
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NARRAÇÃO (cont.)
“...feito um pontinho no chão, envolto a uma multidão de fantasmas curiosos?”
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Barulho de digitação.

Pedro bebe um gole de água. Som da digitação. Tela do computador. Frases vão sendo digitadas.
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NARRAÇÃO (cont.)
“...flashes de um branco ofuscante. A figura dela é agora apenas um vulto. Quase já não é capaz de distingui-la nessa imensidão branca...”.
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Pedro pára de digitar. Tela de computador. Pedro deleta o texto - frases começam a ser apagadas. Angustiado, observa a tela por alguns segundos. Com o mouse começa a vasculhar arquivos no computador. Abre um arquivo com fotos. Na tela, várias fotos de Pedro abraçado à jovem que tocava violão (no INSERT da CENA 2). Seu nome é Marília. Pedro detem-se numa foto em especial. Na foto, Marília está sorrindo, enrolada em um lençol, com a mão estendida em direção à câmera - evitando ser fotografada. Luz de flash. Marília passa a se movimentar na foto.
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FLASHBACK
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4 - INT. APARTAMENTO - DIA
Marília enrolada em um lençol, sentada numa cama, levanta-se e anda em direção a uma câmera que dispara flashes. A câmera é manuseada por Pedro (em off).
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MARÍLIA
Seu monstro. Me dá isso! Deleta, vai.
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PEDRO (em off)
E por que eu faria isso?
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MARÍLIA
(rindo e tentando pegar a câmera)
Que tal porque tô pedindo? Motivo razoável, não?

PEDRO (em off)
Sabe que nem tanto? Acho que você não está se esforçando o suficiente.
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Marília ri e se esforça ainda mais pra pegar a câmera, que continua disparando flashes.
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MARÍLIA
Então que tal um motivo mais ortodoxo?

PEDRO (em off)
Exemplo?

MARÍLIA
Tipo... Vejamos... Um olho roxo. Que tal? Anda Pedro, não tá vendo como tô descabelada!
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Pedro abraça Marília.
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PEDRO
Adoro mulheres persuasivas. Sobretudo se descabeladas, gostosas e na minha cama. E roxo é uma cor que não me cai bem.

MARÍLIA
Ótimo. Temos um acordo então. Até que você não é de todo mal, sabia? Seu escritor maluquinho.
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Os dois caem na cama e se beijam.
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PEDRO
Te amo tanto...

MARÍLIA
Eu um pouco mais...
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FIM FLASHBACK
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4 - INT. MUSEU - DIA
Interior de um museu de arte, Pedro observa alguns quadros. De repente sai da sala de exposição e vai para o corredor atender ao celular. O corredor é longo e vazio. Pedro caminha por ele, falando ao telefone.
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PEDRO
Eu sei Ivan. Cara, não sei mais como explicar! Então marca uma reunião com o editor porra. Eu mesmo renegocio esse prazo com ele...
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Pedro pára de repente com uma expressão assustada. Um solo de violão inicia (música: "Serenata do Adeus", de Baden Powell e Vinícius de Moraes). Devagar Pedro tira o celular do ouvido e permanece por alguns segundos imóvel. Sua expressão fica cada vez mais tensa. Inicia uma caminhada rápida, as vezes com corridas curtas. O corredor é longo, vazio - lembra um labirinto. A música fica mais forte. Som dos passos e da respiração ofegante de Pedro, que chega à porta de um pequeno auditório, cheio.

No centro do palco, Marília toca um violão. Ele permanece em pé, à porta, com olhar estupefato. A música acaba. A plateia aplaude.
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PEDRO
Marília!
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EG
Referência:

sábado, 7 de março de 2009

A Despensa

percorro
preto pêlo
profuso
pela pele parda
passeio por
peito perfeito
protuberante pomo
apalpo

Adão!

Em deleite,
padeço...

e desço pelo meu ódio
direto à sofreguidão
De joelhos
ante teus olhos
no escuro
me transformo
Sou saliva
Líquida,

a te encharcar
e me dissolvo em ti,
tão embebido

Vejo o som do teu gemido
escorro por entre teus dentes

Sôfrega, em transe
E o arrepio fulminante!
com o gosto do teu gozo...

que me destrói!
- já não sou corpo

Sou energia
boca
e pulsão

Do alto te sinto partir
De leve, macio.
Nem sequer tocas o chão...


EG

quarta-feira, 4 de março de 2009

A Criatura

...e esse ranger tão sombrio
Das correntes que arrasta
pelo porão escuro e frio
pútrida,

a choramingar

Cega e demente
- à procura

Louca!
Ensandecida de rancor
Lamurienta criatura
- em carne crua

que mesmo morta,
Urra de dor!

EG

La Muerte...

Sapatos de verniz
Pretos reluzentes

Pés que rodopiam...

Colam e descolam,
Colam...

e descolam

Rodopiam!
Deslizam...

Arrastam em meia-ponta
Arranham chão de madeira
Rabiscam tortuosas curvas
Reforçam antigas ranhuras

Meias pretas.
Risco que desponta
do tornozelo
Reto
Rumo ao infinito...
Cruza pantorrilha
Rígida!

E Juan D'Arienzo envolve
Visceral
Direto ao coração
El acordéon que suspira...
Quase sem fôlego
Rodopio!
E ela se aproxima
Rodopio!
E perfume
que inebria...

Quadril voluptuoso.
Do vértice lateral do vestido
segue côncavo da cintura
E o glamuroso peito inflamado
A projetar-se para frente
Traço de linha imaginária
com perna esquecida para trás,
Que logo é puxada de volta
- e sofre!
Não quer voltar...

E o pescoço esguio...
Envolto em pérolas pálidas
Rodopios!!
Autoritário queixo
que dita as ordens!
E precipita os movimentos
Forte.
Pero que flutua...
A media luz...
Miseráveis mortais
e suas tristes sinas
Inexorável destino
Bonecos de cera
De mandíbulas arriadas...
E respiração suspensa

E agora o violino!
Que chora dor tão fina
Lamuriento!
Inconsolável
Por insignificante inseto
Entrelaçado
nas teias perigosas

Ainda há a rosa esquálida
trincada entre dentes
Semi desfalecida
Não sabe então
se implora por liberdade
Ou por cruel desfolhamento
doloroso
Lento...

Rodopio!
Rodopio!
Outro!
E outro!
Ela o tem a sua frente!
Olhos nos olhos.
Isso já é demais!
Coração dispara
Sangue congela
O frio pela espinha...
Esse olhar-punhal
envolto em sombra escura
A maquiagem esfumaçante
Uma lágrima escorre...
La dama padiece...
Ah... a consternação...
O golpe de misericórdia

É chegada hora
Derradeira
Ao som de Juan D'Arienzo
Destinos selados
Irremediável
Dados atirados
La pasión...

A sorte é lançada.

EG

A propósito...

DEUS LHE PAGUE

1 - TELA CLARA
Batidas cadenciadas. Mão mexe cimento com uma colher de pedreiro. Coloca cimento e tijolo numa parede sendo levantada; as sobras do cimento são aparadas. Ação é repetida algumas vezes, enquanto sobem os créditos iniciais.
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2 - EXT. RUA - DIA
MULHER X, de costas, caminha rebolativa por uma calçada - usa camiseta, calça jeans apertada e sandália plataforma. Passa por várias pessoas bem vestidas - todos apressados.

INSERT 1

Mão com uma colher de cozinha prepara comida em panelas num fogão; frita um ovo e refoga arroz.

MULHER X, de costas, caminha entre multidão. Atravessa rebolativa um cruzamento; passa entre pessoas e carros. No alto, arranha-céus espelhados.

INSERT 2

Mão prepara uma marmita; coloca arroz, feijão e um ovo frito por cima.

VOZ DE MULHER (V.O.)
Ô Yuri! Assim não dá! Acaba logo com essa fofoca no banheiro. E não vai me acabar com toda água do barril!

INSERT 3

3 - INT. BANHEIRO - NOITE (amanhecendo)
Banheiro com paredes SEM REBOCO (tijolos à mostra). Cortina de plástico no lugar da porta. Na parede, um buraco retangular, no lugar de uma janela. Do lado de fora, ainda escuro, luzes acesas de outras residências. Menino sorridente, nu e ensaboado. Acima dele um chuveiro de onde não sai água. Seu nome é YURI - tem oito anos. Yuri dá pulinhos e treme. Com um pote, tira água de dentro de um balde e joga na cabeça. Detalhe de uma tina grande, cheia de água, encostada na parede.

MULHER X, de costas, sobe um elevado. Passa por pessoas apressadas. Embaixo, carros passam em alta velocidade.
INSERT 4

Yuri, com uma camiseta escolar, é penteado por alguém.

YURI
Quando fica pronto hein mãe? Não quero mais dormir na sala com a senhora. A senhora ronca muito!!!

VOZ DE MULHER (off)
Que conversa é essa moleque! Olha o respeito...

Yuri sorri.

VOZ DE MULHER (cont.)
No Natal filho. Prometo. Palavra de mãe!

Yuri ri eufórico.

MULHER X passa em frente a tapume de madeira com alguns cartazes de shows. Sobe o restante dos créditos iniciais. Em um dos cartazes do tapume, a frase: SEUS OLHOS EMBOTADOS DE CIMENTO E LÁGRIMA. Imediatamente ao lado da frase, uma placa: ENGENHEIRO TÉCNICO RESPONSÁVEL: C.BUARQUE.
EG

terça-feira, 3 de março de 2009

Categoricamente

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Inexorável. Reta. Infalível. Rasga o ar empurrando as partículas de matéria que inadvertidamente estão no seu caminho. Um rastro imperceptível de pólvora deixa para trás. O estampido seco que anunciou sua saída ainda ecoa, mesmo depois de perfurada a carne de areia. Ainda é quente o túnel prateado e estreito de onde rompeu, cega, a procura de seu alvo. Mas não tão quente quanto o que escorre, vivo, embolado, caudaloso, do orifício minúsculo por onde só passaria um filete. Do alto de toda verdade, o gigante despenca. A sarjeta áspera e rugosa é seu amparo. Inebriante oceano carmim, que se espalha e avoluma, inevitavelmente. Destemido Golias. Abatido pelo cajado da intolerância em forma de minúsculo e categórico compacto de chumbo. E se vai por terra o que antes parecia tão sólido, tão duradouro. E suas pernas não caminham, e suas mãos não gesticulam, e seus olhos, petrificados, não choram. Nem seu coração insiste em bater. Definitivo.
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EG