quarta-feira, 29 de abril de 2009

BLOG xx

--
Dos sulcos
- profundos!
de minhas rugas
de cem anos
- vividos em trinta!
tanto, tanto
tenho a dizer...

Sou peixes
ascendência
em aquário
O que assegura
veracidade a tudo
que aqui
DESPEJO
Nesse blog
- blorrgh!
diferenciado
- meu sexy e virtual
umbiguinho malhado.
Enfeitado
com esse piercing
de strass cor de rosa...
Que tu frequentas
quando em vez
Babando, viciado.
Tu!
Ávido por "Verdades"
- ou seria uma boa foda?
Regozijas-me
com teus registros:
“Metáforas de
Paulo Coelho!
Ou seria
Martha Medeiros?
Quanta literalície!
Seria uma nova Clarice,
a Sra. Lispector?
Lya Luft talvez...
Meu Deus!!
É Beauvoir!”
E depositas
no meu net-umbigo
teus comentários
extasiados...
E continuas:
“Assim mesmo sou eu!
Assim é comigo!
Como pode?
Tamanha comunhão!”
- ou seria um nome novo
pra tua agenda de amigas?
- vai saber... o TESÃO...
EU, A Esfinge!
EU!
Oráculo da sabedoria
Oráculo dos bons conselhos...
Sei de tudo nessa vida
E devo compartilhar...

Evito veemente o clichê
E mando até
"um vai se fuder"
(oops! Mãozinha na boca)
Desenho-me pros meus leitores
"A Senhora dos Saltos Altos"
EU, "A Louca"! *
"Perder as estribeiras!
Só assim o amor vale a pena..."

E me afirmo: EU, "A Insana" *
Na próxima postagem:
EU, "A Antiquada"
Dar na primeira?
Muita modernidade
tsc, tsc, tsc...
só pra doidivanas.
Cama pra mim
só com paixão!
Dar? Só na segunda
- frisando: tu pagas a conta
O resto é docinho de côco
Flores, varanda
desapego, amadurecimento
o poder feminino da diva!
rede em apartamento
e felicidade...
Percebem quanto apuro
literário?
--
--
* Coro:
"- Ó ilustre 'Senhoura' Loucura!!
Perdôe tão infame criatura!!
Justíssimas desculpas também,
aos meus nobres tarjas pretas!!
E por favor Rotterdam,
tape os ouvidos pra isso
Ímpia! Herege!
Usar em vão o nome

da santíssima insanidade
como vil
e vergonhoso disfarce
pra discurso aguado
FINGIDO!
fraco
melado
ESCROTO!
Que sabes tu,
- seu grandissíssimo BLEFE!
sobre perder a cabeça?!
Apresentada já fostes
ao fio da guilhotina?
Nem desse maldito
salto tu desces!?
Insana? ha-ha-ha
Tu mulherzinha,
não passas de um inaudível
- quase uma brisinha
ARROTO!"

--
Mal sabem meus
seguidores queridos
que toda
sapiência
que ora
BOSTEJO
Tem muito mais
de mil anos
Já nasceu com o planeta!
É tudo o mais
Que TODOS
já sabem
Inclusive EU!
- pasmem!
Que como qualquer
outro terráqueo

digo que sei,

FINJO QUE FAÇO...

Mas e daí?
Só quero
atenção
só quero
afago
- que tu me vejas assim
a sábia
amadurecida
sóbria-equilibrada-doidinha
Mulher letrada!

Mas cá pra nós
não seria
de todo mal
O teu...

Beijo.

E por que não
uma boa trepada?
(oooooooops! Agora enrubescimento)
pra não falar no cinema
pra não falar nas mãos dadas...

No aguardo ansioso
do ar de tua honrosa graça
viro-me cá com as "migas"
Pri, Ju, Rô, Tê, Gê, Quelzinha, Lu, Zá, Val
- e o escambal!
que se desmancham,
fiéis,
lânguidas
sinceras
- e os cílios?
em doces piscadelas...
cúmplices
e emocionadas

Coro:
"Ó melacuequície nauseante!
(pausa pro vômito...)
Ó presunção desgraçada!!"

EG

terça-feira, 28 de abril de 2009

Caldinho de Feijão

No meu carrinho de madeira falta uma roda. Vou pedir pro meu pai consertar assim que chegar do estágio. Tomara que não demore. Quero montar o quebra-cabeça com ele. A gente se esparrama no chão da sala. Daqui sinto o cheiro do feijão na panela. Minha mãe tá lá na cozinha. Vou lá ver. Quem sabe ela não molha o pão no caldinho e espeta no garfo pra mim. Meu pai costuma fazer isso sempre, quando não tem que ir pro estágio. Aí depois vamos pra porta da rua, sentar nos degraus de madeira. Ele me contando histórias incríveis – que são sempre as mesmas. Eu ouvindo, muito atento, comendo o pão molhado no caldinho, espetado num garfo. E os vizinhos passando na rua. Cheguei na cozinha e pedi pra minha mãe fazer pro almoço um prato cheio de batata frita, que eu adoro! Acho que é a coisa que mais gosto no mundo, depois do pão espetado. Ela me explicou que hoje não haveria batata frita. Quem sabe amanhã. Mas molhou o pão... Só vi uma única panela no fogo. Era velha, meio amassada e de alça. Minha mãe adora essa panela. Dá pra ouvir o barulho do feijão borbulhando. A fumacinha saindo. Perguntei se dessa vez teria macarrão e suco de groselha – ela também respondeu que talvez amanhã. Igual à batata. Bem, então seria o feijão e pronto. Sentei no chão e apanhei uma saúva. Elas saíam do buraco da parede de madeira. Adoro cortá-las ao meio. Divididas, elas ainda assim continuam se mexendo. Incrível! Todas têm bundas enormes, umas caras minúsculas e esquisitas, parecem uns dinossauros em miniatura, com duas garras na boca, que mais parecem dois arpões. Depois de cortadas ao meio, era bunda pra um lado correndo, cabeça pro outro remexendo. Levantei e fui buscar o tubo de cola dentro da minha pasta escolar. Um pinguinho basta pra colar a cabeça novamente à bunda. Esperei um pouco pra secar. E pus no chão novamente. E ela continuou seu caminho, seguindo suas companheiras. Fiz isso com mais umas cinco. Foi quando minha mãe percebeu e ralhou. Não achou bom que eu gastasse cola à toa. O material escolar, segundo ela, custava o olho da cara. Nunca entendi muito essa coisa de olho da cara. Adulto é muito exagerado. Será que um adulto cortado ao meio pode ser colado com uma porção grande de cola polar? Olhei pra minha mãe e a achei um pouco triste. Parecia que seus olhos estavam vermelhos. Deve ter sido a cebola. Ela sempre chora quando corta cebola. Mexia o feijão com uma colher de pau. De vez em quando entornava um pouco mais de água na panela. Eu adorava o feijão que ela fazia. Minha mãe mexendo a panela deu um grito fininho. Não quis me dizer o que foi. Me mandou ir brincar na sala, que na realidade era quarto também, já que nossa casa era sala-cozinha – e banheiro lógico. Começou a chorar compulsivamente. Levantei pra ir embora. Mas antes vi minha mãe com a colher de pau tirando algo de dentro da panela e atirando na lata de lixo. Sentou na cadeira de madeira, tampou o rosto com as duas mãos, pra esconder seus olhos. Mas não adiantava, não podia me esconder os soluços. E eu já tinha visto suas lágrimas. Me aproximei tentando saber o motivo da tristeza. Passei a mão nos seus cabelos. Não me agrada ver minha mãe chorar! Ela mais uma vez me mandou ir pra sala – que era quarto também! Nisso ouvimos barulho do meu pai chegando. Eu pulei eufórico. Minha mãe correu pro banheiro. Suspeitei que ela não quisesse que ele visse sua cara vermelha. Ficou lá um tempão. Voltou de cara lavada. Meu pai já tinha lavado as mãos. Disse que tava faminto. Que viera a pé do hospital, com o estômago colado nas costas. Mais uma vez não entendi nadica de nada. Fui até a pia, lavei as mãos e sentei-me à mesa. Era uma mesa pequena, de quatro lugares. Meu avô mesmo quem fez, com sua misteriosa caixa de ferramentas cor de abóbora, da qual morria de ciúmes. Sentei ao lado do meu pai. Minha mãe estava esquisita. Tirou do forno uma panela com arroz, serviu a mim e ao meu pai com arroz e o feijão cheiroso. Botou na mesa uma garrafa de água de um plástico azul, desses plásticos crespos, cheios de bolinhas que arranham a mão. Além da garrafa, mais dois copos - o meu tinha o desenho do Tom e Jerry, ninguém podia usar. Eu tinha ciúmes. Assim como meu garfo, minha faca, colher e prato - meus talheres tinham um contorno encaracolado nas pontas, que os tornava especiais. A colher tinha um sabor diferente em contato com minha boca. Minha mãe sentou-se conosco mas dessa vez não quis comer. Seu olhar era distante. Disse que passava mal. Andava indisposta. Meu pai comeu feito um desesperado. Ele realmente parecia estar com muita fome. Eu nem tanto. Já tinha feito minha boquinha espetada no garfo. Deixei bastante comida no prato. Estranho que dessa vez minha mãe nem reclamou. Aliás, não insistiu nada. O almoço acabou. Eu e meu pai fomos pra sala, montar o quebra cabeça. Minha mãe ficou na louça. Depois foi até à sala, nos acompanhar no jogo. Tive sede, acho que dessa vez minha mãe exagerou no sal. Resolvi ir buscar um copo d'água. Chegando à cozinha vi a lata de lixo e uma curiosidade irresistível me fez caminhar até lá. Ao abrí-la, não vi nada de muito diferente do que costumo ver numa lata de lixo de cozinha. Restos de cascas de cebola, pedaços pimentão, de cheiro verde, sacos plásticos, etc, etc. etc. Ah, e também um objeto amarronzado, meio desmilinguido e troncho, com algumas linhas nas laterias, não lisas, mas com pequenos espetinhos. Parecia as perninhas das minhas formigas. Poderia até dizer que se tratava de uma saúva esmagada, mas não poderia afirmar isso, dado o tamanho bem mais avantajado e algumas folhas que pareciam até asas. Além do mais, saindo do que parecia a boca, não via arpões, como nas minhas amigas saúvas, mas dois fios marrons enormes. Esse tipo de coisa esquisita que se só se deve achar em latas de lixo.
--
EG

domingo, 26 de abril de 2009

Nada Admirável Mundo Para Todo o Sempre Velho – Reféns? De Quem Mesmo?

Foto: EGibson
Curiau - Comunidade Quilombola
Macapá - AP
...onde se podia nadar há alguns anos atrás...
2100? NÃO. 2009
...eu, meus pais, avós, bisavós, tataravós, filhos, netos, bisnetos, tataranetos e etc. ...dá-lhe múltiplas MÁScaras, todos confortavelmente na superFÍcie, repugnante multifacetada escraviDÃO, egoÍSmo infinito.

E A MALDITA HIPOCRISIA!

Pobres máquinas... Apiedo-me de tuas almas por tão lastimável companhia.
--
Maledito
mês de Abril!
Dia 25 de 2009. Sentada na cadeira do centro de estética ortomolecular avançado, com seus cinquenta e cinco anos, aparentando trinta, dada as frequentes – caríssimas! - e dolorosas sessões repositivas de célula tronco, ela não pára de pensar na estratégia de negociação que terá que pôr em prática daqui há pouco. Precisa estar bem apresentável nessa vídeo conferência virtual. Os executivos Japoneses da empresa líder em biochips de games, precisam ficar impressionados e assim aceitar sua empresa como representante deles naquela cidade, quase esquecida do mundo. Contato importantíssimo, estabelecido por "Ele", homem poderoso e influente no cenário político do país, que dita as ordens ali. Aliás, precisa comprar um chip convergente mais avançado, o que ela tem sob a pele atrás da orelha, está ultrapassado. Funciona bem para quase todas as infinitas funções, como por exemplo medidor de ciclo hormonal, eliminador de radicais livres, emissor de aromas agradáveis pelo corpo, brozeamento virtual e etc, mas deixa a desejar quanto à projeção de imagem. O audio é bom, mas teme que seu reflexo projetado nas mentes dos seus interlocutores não seja assim dos mais perfeitos. E perfeição é tudo o que ela busca, senão não dedicaria tanto tempo e sacrifício se torturando nessas clínicas. Bons ventos sopram a seu favor. Se fechar mais esse contrato, será sua grande chance de ser indicada para sócia - depois do competente trabalho junto à empresa de audios sugestivos, agora está a um passo dessa indicação. Graças a ela, sua empresa virou representante dos Chineses, projetando sua pequena cidade para resto do país. O produto, agora febre entre mães zelosas – e ricas também, pois o custo do aparelho não é nada popular –, está vendendo feito água. Aliás 2, não pode esquecer de ligar e pedir mais um carregamento de água potável pra abastecer sua residência – como a vida está cada dia mais difícil, veja só o preço da água como tem subido tanto! Precisa regular mais suas lavagens de cabelo. Além das reposições de células troncos, contornando e suspendendo seios e nádegas, também vai repor alguns dentes da frente, os atuais já não estão tão branquinhos e perfeitos assim. A moda ditada hoje é a de seios com pelo menos quinhentos miligramas cada, não espera que esse peso todo não sofra as lastimáveis consequências da gravidade (como o homem ainda não achou um jeito de neutralizar esse efeito?!!). Lógico, precisa dar uma forcinha. Assim como deu aquela forcinha pra livrar-se de tanto peso extra. Com a chegada dos Chineses, agora as mães de todas as abastadas famílias da cidadezinha, têm a oportunidade de criar seus filhotes com mais tranquilidade, certas de que seus pimpolhos se tornarão cidadãos ilustres, mentalmente saudáveis, extremamente felizes e profissionais bem sucedidos, bastando pra isso que um pequeno chip de audio, com a programação apropriada, seja instalado em suas pequenas cabeças, ao nascerem. E crescerão ouvindo as vozes milagrosas, que farão todo trabalho educativo, dando-lhes desde cedo as orientações corretas. Na sua época não havia essas facilidades. Ela teve que aprender tudo com muito sofrimento. E sozinha. Frequentar as melhores escolas, fazer cursos no exterior e tudo mais - deu sorte de ser bem nascida, do seu avô importante e influente, o que faz dela uma socialite de berço. Mas não se prendeu a esse tipo de bobagem! Agora dá até aulas de estratégias de marketing, arte de negociação e técnicas avançadas de convencimento. Mas deu muitas mancadas antes de chegar onde chegou. Novos tempos...

A moça do centro de estética se aproxima. Está certa que ela usa peruca - não é possível que uma assistente daquele lugar ganhe o suficiente para manter cabelos de verdade. Mas sua peruca é de boa qualidade. Não há dúvidas. Ela aparenta cinquenta, mas deve ter em torno de trinta, por certo.

_Senhora, a cor vai ser a mesma de sempre?

--
_Por favor querida. Você sabe que sem cabelos azul turquesa nenhuma mulher é capaz de ir tão longe. Ai, graças a Deus minha geração se livrou da escravidão do louro.

A assistente de pele desidratada, envelhecida e estorricada, olhos fundos e tristes, lábios ressecados e descamados - apesar do batom que tenta inutilmente disfarçar - quase anoréxica, sorriu, deixando à mostra a falta de alguns dentes. Efeito da água pela hora da morte...

_E por favor, só na raiz. As pontas estão bastante fracas, já tenho perdido bastante fios. Volume! Muito volume... Volume é tudo que há hoje! Faz toda a diferença. Na próxima sessão, com mais calma, faço reposição de células capilares. Hoje não tenho tempo.

--
Seu conversor vibrou atrás da orelha direita. Ela fechou os olhos e atendeu. Visualizou seu chefe no escritório. Ele a conectara para avisar que ela procurasse desviar da rua principal caso fosse ao trabalho, pois lá acontecia uma manifestação de desidratados, mais conhecidos como "os sem cabelos", reinvindicando subsídio para água potável. Disse seu chefe que os comerciantes até tiveram que fechar as portas, dada a violência e o vandalismo. Segundo ela, a reclamação é justíssima! Muitas famílias morrem por não conseguir recursos para manter seus estoques mínimos de água. Mas tinha que ser logo na rua principal? E logo naquele horário? E trabalhadores como ela, que recolhiam seus impostos, o que tinham exatamente a ver com isso? Teriam que ser prejudicados pela incompetência e falta de vergonha do estado? Tolidos do sagrado direito de ir e vir? Bem, já que não tinha outra solução, resolveu que daria uma volta no hiper mall ao lado da clínica. Aproveitando o tempo de sobra pra comprar aquele vestido rosa bebê - provando que rosa nunca sai de moda -, daquela marca Espanhola famosíssima, que só trabalha com tecidos naturais, nada de sintético! Vestido que está namorando há dias. Assim, junto com seu sorriso angelical deixando à mostra seus novos dentes branquinhos e reluzentes, seus volumosos cabelos azul turquesa - verdadeiros! -, seus quinhentos miligramas ressaltados pelo decote, estaria irresistível para a vídeo conferência. Os executivos haveriam de ser convencidos! E como nova sócia da empresa, poderia enfim pensar em ter seu bebê. Se o namoro não engrenar, infelizmente terá que optar por uma fecundação a partir de uma de suas próprias células, qualquer uma que seja, esvaziada então do núcleo e posteriormente preenchida com células extraídas de um óvulo seu - ainda mantidos saudáveis graças ao tratamento hormonal contínuo. O resto se daria em um útero artificial. Isso lastimavelmente significaria zero de participação do Pedro, mas... fazer o que? Trata-se de algo muito em moda atualmente. Depois daria um jeito de colocar a aliança no seu dedo, e enfim subir ao altar com seu príncipe encantado, tal qual todas as mulheres da família, com o amor da sua vida - pena que já seria a segunda esposa, mas melhor dividir do que morrer sozinha. Já decidiu que vai escolher a melhor, mais cara e mais eficiente programação de chip para sua princesinha - já fez sua opção por menina. Além de profissional muito talentosa como a mãe, a pequena herdará todo seu charme, beleza, felicidade à toda prova, carisma, e, principalmente, sua enorme generosidade e grande coração.

EG

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Celebration!

hey my Tom...
I just was told
by a drunk bird
that my poor verb
is fucking stupid
wow!
and it's true!!

so darling...
going on
let's celebrate in hell
our blessed stupidness

you sing that song to me
I do my belly dance to you
and thanks Lord!
DOWN THERE
is incredible warm
the bourbon
is always full
never ever less
and entirely for free

common babe...
you know how lonely and miserable my heart is
so, PLEEEEASE
dont try to take my fool stupid verb from me

this is the only goddamn shit I have
without it
then I would be dead.


EG

À Doçura do teu Sorriso...

Foto: EGibson
Mal cheiroso, solitário e frio metrô de Paris, Dez'06


--
Precisas então
de conforto
pra tua vida
solitária
e miserável?

A sopa
quente
pro teu coração
de merda
O tal
valente?
Felicidade saltitante?
Escrotinhos
- e amarelinhos
smiles
pra adicionar
ao teu texto?
A tua escrita?


Comprimidinho
de auto-ajuda
pra tornar
a bosta
do teu dia
numa manhã de sol
florescida?
“Sou Feliz!”

e um sorriso...
É com isso
que tua
alma
imunda

- hipócrita!!
quer ser

convencida?

Então
meia volta!

Xô!
carrega daqui
tua carcaça
fétida e
carcomida!

Procura
o paraíso!
Aqui, sem flores nem varanda...

só morte e solidão
vísceras
e poesia
Poeta que é Poeta
vive,
se mata,
chora
Se arrasta

e berra.

Só vomita.

EG

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Um Corte de Cabelo?

Historinha talvez um tanto boba, mas exemplo de quanto um áudio competente pode estimular uma "sétima arte interior"...

IMPRESCINDÍVEL:

1- Um fone de ouvido básico (certificando-se que direito e esquerdo estão nos lugares corretos);

2- e pra ver, olhos fechados, por favor!
Curiosidade: como se daria esse filme na mente de um deficiente visual?

Here we go...

"Virtual Barber Shop"
Referências...

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Cinzas de um Sutiã - 3

Abriu os olhos. Viu que era dia. Estava nua. Deitada de lado, em posição semi fetal...

Mas calma aí. Podia sentir um calor tocando sua pele por trás. E umas cafungadas quentes em seu pescoço. Baixou o olhar na direção de sua púbis depilada, completamente lisa, sem um pelinho sequer, e percebeu que nela pousava uma mão peluda e cheia de dedos. Sendo que o indicador e o maior-que-todos dessa mão misteriosa encontravam-se tão infiltrados entre suas pernas que mal podia vê-los. Tudo rodava tanto... Carregava uma bigorna na cabeça. Revirando a íris, fez uma ligeira averiguação de terreno. E pelo o que foi possível apurar, a decoração parecia, parecia... a de um motel! É isso! Estava num motel! E quem seria a criatura dona da mão cabeluda que lhe encobria as partes? Deus! Que sensação desesperadora. Como foi parar ali? Buscava mas não encontrava um fiapo de lembrança. De qualquer forma não ousou mexer um músculo. Nem pensar em desfazer aquela posição. Seja lá quem fosse aquele ser colado em suas costas, não podia negar que era '"o" responsável pela materialização - enfim - de um grande desejo. Há meses vinha sonhando com isso... dormir de conchinha! Sentia-se uma mulher realizada. Abriu um sorriso. Já se passara uma eternidade desde a última vez que pôde desfrutar dessa sensação. Pois de todos os caras com os quais havia transado nos últimos vários meses, com quase nenhum chegou a concluir uma noite inteira. E se chegavam a amanhecer juntos - e se dormissem -, era cada um pro seu lado, feito marido e mulher. Por isso mesmo, apesar da angústia por não lembrar de absolutamente nada, sentia um quê de felicidade. Uma leve sensação de euforia. Mesmo considerando o rodopio da cabeça, aquele desconhecido lhe proporcionava um bem estar tremendo. Sentia-se protegida. Agasalhada... E melhor de tudo, saber que passou a noite com aquela mão pousada sobre sua parte mais íntima lhe dava a impressão que o sujeito de fato a desejava. E se importava! Muitos sequer a tocavam - tá bom, vai, esclarecendo, agora não falamos mais de dedos, mas sim de boca... Sempre foi muito exigente com a questão da limpeza. Sempre se considerou uma mulher limpinha. Sempre com o seu preventivo em dia. Nada de odores desagradáveis, nada de nada. O que a levava a concluir que algo pudesse ter a ver com talvez o seu cabelo não esticado, seu pouco caso com acessórios, bijuterias e maquigem, seu estilo simples e um tanto desapegado de vestir... vai ver, sei lá... Provável que os caras a vissem como um exemplar “pouco higiênico” de fêmea. Suspeitava que para a grande maioria dos homens, vaidade escravizante era sinônimo de higiene. Desconfiava que para eles as verdadeiras merecedoras de carinhos íntimos fossem as mulheres viciadas em salão de beleza. Em creme pro rosto, creme pras mãos, pros pés, pras pernas, pros cotovelos, - sei lá, creme pras orelhas! Sem falar nas tais cem escovadas de cabelo minuciosamente contadas antes de dormir, em sacolas de shopping center e mais inúmeros outros sintomas de um quase TOC (que acomentem em torno de 99% dos exemplares da espécime). Essas que nunca jogaram bola descalças em ruas de piçarra com os moleques da vizinhança. Que nunca escalaram um jambeiro ou mesmo uma simples goiabeira (jambeiro era muito mais difícil), que nunca roeram uma única unha... Bem, até que havia tentado ser mais mocinha, mas era um sacrifício demasiadamente pesado para ela. O ambiente de salão então... absolutamente insuportável... uma tortura Chinesa. Interessante era que os homens que mais mantinham-se distantes da sua depilada e lisa genitália, eram os que mais se regozijavam e quase subiam pelas paredes quando ela resolvia demonstrar seus dotes e habilidades manuais, linguais e salivares. Egoísmo? Talvez. Mas nunca reclamara de nada. Não faria sentido receber carinho por obrigação ou como uma recompensa. O fato é que esse desconhecido era especial. Não só fazia questão de passar a noite com aquela mão ali, quanto fazia questão de dormir de conchinha. Coisa quase só experimentada por casais de namorados em início de relacionamento. Era isso! Naquele momento sentia-se a namorada. Forçou um pouco mais a mente pra tentar lembrar como seria o rosto e quem sabe até o nome do cavalheiro. Último romântico do planeta, fascinado de verdade por fêmea, e não por mulher de plástico. Louco por sexo. Nada. Nadica de nada de lembrança. Em seus devaneios sobre seu amante misterioso, apostaria qualquer quantia em dinheiro na certeza de que ele fôra incapaz de sair em disparada rumo ao chuveiro, imediatamente logo após terem gozado, desesperado pra tomar banho. Ávido por se livrar dos famigerados fluidos corporais. Não. Não esse cara. Tem certeza que ele ficou ali ao lado dela, abraçado e relaxando aos pouquinhos, pensando no quanto foi bom. De repente a conchinha que perdurava até então fôra formada no último gozo (quantos teriam sido?). Mesmo em seu ataque de amnésia, algo no fundo do seu coração a fazia crer que ele não dobrou a roupa cuidadosamente, pendurando-a no cabide, antes de dar início aos trabalhos. Estava tomada por uma certeza de que entraram naquele quartinho mixuruca já em situação de jogo. Um rasgando a roupa do outro. Sem pudores. Sem frescuras. Não podia ver, mas tinha certeza que as roupas não estavam educadamente pousadas em cima da mesa, mas sim caoticamente espalhadas pelo chão. Naquele chão sujo de motel de quinta. Calcinha prum lado, sutiã pro outro. Talvez até sua cueca estivesse debaixo da cama. Isso seria o máximo. Como se chamava o seu príncipe encantado? Deus, como seria seu rosto? Sabia por conta dos pêlos da mão que era estilo polaco. Teria barba? Bigode? Não. Senão seu pescoço perceberia. Teria cabelos lisos ou crespos? Gordo? Magro? A impressão é que era alto. Que se dane... O que realmente importava é que ela estava bem ali - de concha!! - amanhecendo libidinosamente acariciada, ao lado do mais novo homem da sua vida. E mais uma vez loucamente apaixonada. Estava certa que a partir de agora seria uma longa série de deliciosas noites em conchinha.
--
Sentiu que tanto indicador quanto maior-que-todos acabavam de acordar...

EG

terça-feira, 21 de abril de 2009

Radinho de Pilha

Storyline

Edgar é um misterioso e atormentado proprietário de uma pequena venícola num vilarejo distante. É um homem pertubado por lembranças do passado e insatisfeito com seu presente. Mal humorado, alimenta uma raiva inexplicável pelo seu empregado, Fortunato, e pelo rádio que o mesmo carrega. Durante um período de safra ruim, no ápice de suas alucinações, se volta contra o empregado.

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1 - INT/EXT. PRISÃO - NOITE
Interior de quarto escuro. Por uma pequena abertura com grades, no alto da parede, uma fresta de luz prateada vinda do lado de fora ilumina parcialmente o semblante de um homem. Contorno do seu rosto. Ele está sentado, com o corpo encolhido. Tapa os ouvidos com as mãos. Seu olhar é distante e voltado na direção da luz. Ele está BARBADO. Seu nome é EDGAR.


EDGAR (VO)
Suportei por demais as provocações de Fortunato... Deus é testemunha... Não desejava seu mal! Pelo contrário! Mas fui um fraco diante da fúria que tomou conta de mim! Que o todo poderoso se apiede de minh’alma...

Do lado de fora do quarto, um bosque iluminado por uma lua cheia. Árvores gigantes, antigas. Barulhos típicos de florestas.
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EDGAR (em off)
Mas um momento! Não pensem que busco uma justificativa pro meu ato abominável! Nada disso! Sei bem o que me aguarda no juízo final...

Uma coruja num galho de uma árvore. Seus olhos grandes, fixos e brilhantes.

EDGAR (em off)
Pela divina misericórdia, que esse dia não tarde! O fogo do inferno será um grande alívio diante do terror que assombra meus dias e noites. E esse frio...

No fundo dos olhos brilhantes da coruja; uma lareira.
FLASHBACK

2 - INT. CHALÉ - NOITE
Chamas de uma lareira acesa. Som de estalos de madeira queimando. Edgar, um homem de quarenta anos de idade, vestido em roupas simples, SEM BARBA, está próximo à lareira, arrumando a brasa com um ferro comprido e fino. Ao redor da lareira, a sala de um pequeno chalé, com decoração rústica, sem luxos, mas aconchegante; construção típica de regiões serranas.

EDGAR (VO)
As coisas não foram nada bem esse ano. Uma floração terrível! Chuva, umidade. Granizo! Fungos! O maldito míldio... Deus queira que a sorte mude na colheita. Não reclamo da vida. Mas já houve épocas melhores... Pelo menos pras uvas...

INSERT

3 - INT. COZINHA - NOITE
Uma cozinha de fazenda, com fogão à lenha. Numa mesa de jantar de madeira, sentados um homem e um rapaz (por volta dos 15 anos). Uma mulher em pé, servindo uma sopa aos dois - fumaça. Uma garrafa de vinho e canecas. No centro da mesa, cesta com pães. A cabeceira é ocupada pelo homem (pai), de expressão rude; ao lado dele, o rapaz. Todos estão vestidos simplesmente.

RAPAZ
Mas meu pai, seria apenas por um semestre e...

O homem soca a mesa com força.
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HOMEM
Já disse que não! Quero você aqui pra colheita. Me ajudando! Logo agora que fomos abençoados com um ano maravilhoso! Esquece essa história de capital! ESSE AQUI é seu lugar. Assim como o meu, do seu avô, do seu bisavô... Estamos entendidos?

RAPAZ
Sim Pai.
--
O rapaz baixa a cabeça e volta a comer calado.

Inicia-se ao longe uma música de rádio, tocando baixinho.
--
FIM INSERT

Edgar pára de mexer na lareira e vira-se lentamente com expressão tensa. Som de uma música de rádio.
--
EDGAR (VO)
Maldito imprestável!
--
Após alguns segundos, um homem aparece na porta de entrada. Seu nome é Fortunato, mais velho que Edgar (por volta de cinquenta anos). É alto e forte, tem uma aparência rude e simplória. Sua expressão é de extrema humildade. Ele tira o chapéu. Traz um radinho de pilha na mão. O rádio toca baixinho uma música romântica.
--
FORTUNATO
Boa noite Seu Edgar. Com sua licença. O Sr. pediu pra falar?

EDGAR (VO)
Ele e esse maldito radinho de pilha!!! Quisera eu que minhas uvas recebessem só a metade do zelo dedicado a essa porcaria de rádio!

Edgar caminha até uma bancada, pega uma garrafa de licor, enche um copo pequeno e bebe o líquido de um só gole.
--
EDGAR
Sim Fortunato. Quero falar sim. É sobre a colheita.
--
Edgar olha fixamente para o rádio que Fortunato segura.
--
EDGAR (Cont.)
A propósito, quantas vezes já lhe alertei a respeito desse rádio?

FORTUNATO
Desculpa Seu Edgar.

Fortunato desliga o rádio.
--
FORTUNATO (Cont.)
É que ta bem na hora do programa que eu mais gosto.

EDGAR
Fortunato, você vive no mundo da lua! As uvas lá fora, precisando de ajuda, e só o que você pensa é ouvir música!

FORTUNATO
Desculpa Seu Edgar, isso não vai acontecer mais.

EDGAR (VO)
Mequetrefe preguiçoso...

EDGAR
Fortunato, a colheita precisa começar amanhã pela manhã. Tudo que sobrou tem que ser colhido no mais tardar dentro da primeira quinzena. Isso se quisermos salvar alguma coisa.

FORTUNATO
Sim senhor, seu Edgar.

EDGAR
E os trabalhos vão ter que iniciar sem mim. Preciso ir até à vila, negociar com os comerciantes. Quem sabe consigo um preço justo... O valor do barril tá uma lástima.

FORTUNATO
Sim senhor, seu Edgar. Pode deixar que começamos amanhã cedinho.

EDGAR
Muito bem. Agora pode ir! É bom descansar pra acordar bem cedo. E Fortunato, veja se escuta o que eu digo e esqueça um pouco esse maldito rádio.

FORTUNATO
Sim senhor, seu Edgar. Boa noite e com licença.

EDGAR
Tá dispensado. Boa noite e que Deus lhe dê o sono dos justos.

EDGAR (VO)
Imprestável...
--
Fortunato sai e Edgar fica em pé, observando sua saída. Enche outro copo da bebida.

Segundos após Fortunato ter deixado a sala, a música do rádio reinicia. Edgar faz uma expressão de desespero ao ouvir o som. Chamas da lareira.
--
EG


--
*Livremente Baseado no Conto "O Barril de Amontillado", parte do Livro Histórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe.

domingo, 19 de abril de 2009

Encapuzados - Parte II

Os raios vermelho-giratórios da sirene barulhenta da ambulância, somados ao pisca pisca neon do letreiro do motel, distorcem a visão de Marcelo. Um arco íris pantomímico. Intercalados por flashes de um branco ofuscante. Ana, em pé, estática e quase sem cor, se confunde agora com a Vênus de mármore dura e fria em seu pedestal - ali posicionada estrategicamente na porta de entrada como que para dar boas vindas a amantes desejosos. E tanto Ana quanto a Vênus já não passam de vultos agora. Tudo foi muito rápido. Marcelo nunca passara por aquela rua, mas precisava visitar um cliente. Foi quando seus impulsos nervosos se congelaram ao ver sua esposa tão dedicada ali, naquele lugar sujo, chinfrim, ao lado daquela Vênus de gosto duvidoso. Com aquele filho da puta de coturnos... Seus reflexos paralizaram a tal ponto que não pôde evitar o choque, que nem sabe ao certo de onde veio. Mas o que lhe doeu mesmo foram as mãos... Tão entrelaçadas que estavam uma na outra, apaixonadamente apertadas, íntimas e cúmplices. E agora estava ele ali, num asfalto áspero e esburacado, em plena tarde de uma Segunda-Feira, sem o menor comando sobre seus movimentos. Olhando todo o resto do planeta como se fosse um insignificante umbigo. Um umbiguinho daqueles quase imperceptíveis. Era assim que se sentia. O umbigo da Terra. Uma terra de gigantes malemolentes, circulando fantasmagoricamente ao seu redor. Foi pra isso que viveu todo esse tempo? Uma jornada árdua de trinta e cinco anos lutando por reconhecimento profissional, buscando conforto e bem estar para sua família, marido exemplar, pai amoroso, pra terminar feito um pontinho de merda estendido num chão crespo e empoeirado? Envolto àquela multidão de olhares curiosos daqueles malditos fantasmas? Um pontinho que nem sequer consegue sentir sua própria matéria?
--
_Quero levantar! Saiam daqui, párem de me olhar seus escrotos! Quero acertar as contas com essa ingrata e com esse filho da puta... Sumam daqui seus malditos fantasmas! Essa é a retribuição que ela me oferece por tanta dedicação, compreensão e carinho... O sacrifício de ter abdicado do meu verdadeiro amor. Ahh Juliana... foram tantos os momentos que deixamos de viver... Minha Juliana resignada, me amando em silêncio... Resignação minha também, por ter que te ver casada e quem sabe até feliz, e te compartilhar com o Carlos. E ainda ser obrigado a vê-lo ali, todos os dias no escritório, e imaginar que ele acabou de acordar ao teu lado! Juliana, meu único e verdadeiro amor... Nosso filho que cresceu, sem saber a verdade, e eu, distante... O meu filho!! Meu! Como agora gostaria de ver seus olhinhos e chamá-lo de filho. E ouvir da sua boca a palavra pai. Fui fraco... Não mandei tudo às favas... Agora me parece um pouco tarde... São tantos esses gigantes a minha volta... E... já não consigo me...livrar deles...

EG

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Súplica

* Singela e humilde homenagem a Safo. Obs.: E agora vou fazer questão da rima, sim senhor!

Retrato Imaginário de Safo
Autor desconhecido
World Noted Women. New York: D. Appleton and Company, 1883

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Pernas cambaleantes
E uma lâmina vil

Idolotrado e odioso Alceu...

O meu chão, roubado
e um quase desfalecer
Congela todo o sangue
o frio que me acometeu
Estanca meu coração
Que dói, esmagado

Ó Senhora Afrodite!!
Qual razão pra tamanha crueldade??
Um cordeiro e libação te ofereço
em teu sagrado templo de adoração

Suplica-te a tua humilde serva
Misericórdia.
Piedade...

Agora o calor de rachar!!
De tuas façanhas, outro estrago
Esquenta-me a pele
borbulha-me o sangue
rouba-me o ar
derrete-me a língua
cega-me a visão
Queima entranhas...

Senhora dos mil encantamentos!
Por que me lanças assim tantos tormentos?
Livra-me por compaixão desse encanto...
Qual a terrível ofensa, pra tanto pranto?

Não açoites assim tua filha
Por Zeus!!
Escuta-me!
Não possuo eternidade de um deus
Lembra-te de minha frágil condição
Sabes que em morada de Hades já sou esperada
sucumbida por tua devastadora maldade,
paixão...

EG

AINDA...

SAFO - Fragmentos de um Poema

"Parece-me igual aos deuses
ser aquele homem que, à sua frente sentado,
de perto, doces palavras, inclinando o rosto,
escuta,
e quando te ris, provocando o desejo; isso, eu juro,
me faz com pavor bater o coração no peito;
eu te vejo um instante apenas e as palavras
todas me abandonam;
a língua se parte; debaixo da minha pele,
no mesmo instante, corre um fogo sutil;
meus olhos me vêem; zumbem
meus ouvidos
um frio suor me recobre, um frêmito me apodera
do corpo todo, mais verde que
as ervas
eu fico
e que já estou morta
parece (...)
Mas (...)".

(Tradução de Joaquim Fontes)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Encapuzados

Depois de alguns minutos de curta e ligeira movimentação pélvica, ele esgueira-se de cima dela quase como que se desculpando. Como que encabulado por tamanho incômodo. Sensação ratificada com o maldito beijo na testa. Então Marcelo – sempre tão carinhoso – dá boa noite a sua amada e vira-se para o lado direito. Sempre fez questão de dormir desse lado da cama. Dá início então a sua longa noite de barulhentos sonhos. É bom que se diga que para as intimidades do casal estão reservadas as manhãs. Sempre as de domingo! Afinal a energia matutina não se compara a da noite, principalmente após um massacrante dia de trabalho. Mas essa noite foi especial. Talvez por culpa da considerável quantidade de vinho no jantar. Mudança na ordem natural das coisas – quebras de rotina desse tipo são muito saudáveis à vida conjugal! Ele já dorme. E lá vêm as mal fadadas lembranças... “Se eu pudesse dormir profundamente como você...” As coisas se diluíram bem mais facilmente para Marcelo. Ele parece não se perturbar mais com o ocorrido. Já para Ana o desprendimento não é o mesmo. O passado do qual ainda é escrava parece uma assombração. Numa ingênua tentativa de dormir, ela fecha os olhos. E então o rolo de fita começa a rodar; inclusive com incríveis recursos de cores, aromas e texturas...

"O ronco do motor. Ele acaba de chegar. Por dias a fio treme e se desespera quando ouve esse barulho. A não ser pela chuva torrencial que é capaz de sentir o cheiro - através da minúscula janela com barras no alto da parede -, tudo parece acontecer exatamente da mesmíssima maneira. Um som grave que termina bruscamente num gritar de pneus. É como se ele estacionasse sempre milimetricamente no mesmo lugar. E essa rotina, aliada à confusão mental de não saber há quantos dias está ali, a faz suspeitar que o dia estaria se repetindo. Em seguida as passadas. Como pisa forte esse homem! O par de coturnos que sustenta em torno de cem quilos, choca-se contra o assoalho de madeira, fazendo vibrar a lâmpada no alto da cabeça de Ana. O peito dispara. As pernas tremem junto com o teto. Mas há algo de especial hoje. É claro! Sua intuição berra que alguma coisa nova está por vir. Parece que os ponteiros enfim voltarão a caminhar. E considerando o olhar devorador que ele tem dispensado a ela ultimamente, não tem dúvidas de que se trata do pior. Um olhar suspeito que salta no capuz. Lá no fundo daquela pequena e expressiva íris castanha convivem, não tão pacificamente, fera e anjo. Em que pé estariam as negociações? Precisa o quanto antes estar longe desse olhar. As passadas ficam mais fortes. Ele desce as escadas que vão dar no quartinho de Ana. Uma cama pouco confortável. Colchão de mola. Lençóis e cobertores limpos. Uma mesa para as refeições. Um banheiro acanhado com um chuveiro e uma privada. A porta se abre. O olhar agora chispa em faíscas de um sentimento que ela não ousa admitir; e fixo em sua direção. Mais precisamente nos seios sobressaltados, que agora arfam apontados sob a camiseta branca de algodão. E depois desce esquadrinhando cada centímetro das coxas brancas e roliças. Suor. Pânico. A fera conseguiu enfim escapar das correntes de gesso. Nem tenta gritar. Aliás, seria impossível. Suas cordas vocais estão congeladas. Mesmo assim, junta toda a energia que lhe resta e num impulso salta da cama na tentativa de traspassar a muralha enraizada em frente à porta semi aberta. Tentativa tola... Só facilita o trabalho do seu algoz encapuzado. É presa pelos cabelos e arrastada até a mesa. Ao ser jogada de bruços, corta o lábio superior na madeira crespa. Sangue. Suor e saliva. Dentes são cravados no seu pescoço. Respingos de uma respiração quente. Sua dignidade vai sendo despudoradamente destruída por uma mão criminosa e investigativa que percorre sua carne por debaixo da camiseta. Os seios apertados com força. Sua intimidade vasculhada, com dedos intrometendo-se em suas entranhas como nem ela mesma fôra capaz de fazer um dia. Mais uma vez é arrastada. Atirada dessa vez na cama de molas. Num instante a camiseta é feita em pedaços. Os mamilos sugados raivosamente. E aquele olhar sob o capuz... Os braços presos no alto da cabeça. A outra mão - a que parece ter milhões de extremidades! - continua a enfiar-se onde não deveria. E combinações de dedos são experimentadas, beirando o que fisicamente pode parecer impossível. Dor. É que o terreno está sendo preparado. E ele chega! Rasga a carne...
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E a vergonha.
E o desespero.
E a revolta.
Soluços.
--
E o desespero.
E a vergonha.
E a dor.
Soluços.
--
E a vergonha.
E o desespero.
E o... prazer?
Soluços.
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E o desespero!
E a vergonha!
E a felicidade!
E o gozo...
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Por mais duas ou três vezes o encapuzado compareceu àquele quartinho. Logo depois Ana foi largada numa região desabitada. O dinheiro nunca foi pago. Marcelo foi demovido da idéia de procurar a polícia, pois temia represálias."

E no quarto do casal paira um aroma especial... E traquilidade. Nem mesmo o ronco apnéico de Marcelo a incomoda. Está tensa sim, é verdade, mas nas nádegas e coxas, que doem numa cãibra deliciosa. Sua mão, reaparece por debaixo do lençol e arrasta-se até o rosto do marido. Uma carícia na testa do esposo tão amado. Inicia-se um lento e reconfortante relaxamento. Seus músculos aos poucos vão ficando malemolentes. Como está feliz por estar de volta ao convívio familiar. E Marcelo enfim poderá ter companhia no seu sono profundo...
--
EG

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Cidade Esquecida

Um emaranhado seco e amarelado de feno passou rolando pela rua de terra avermelhada, levado por um redemoinho de um vento uivante, vindo de uma das colinas próximas, num assobio agudo e longo. Triste. E as janelas e portas escancaradas das casas batiam histéricas. Algumas portas continham protetores de tela já esburacados – tentativa de conter insetos indesejáveis. E a sinfonia era aterrorizante: janelas, portas e protetores de tela - todos batendo, descompassadamente loucos. E o arremate por conta dos sons de placas enferrujadas, dependuradas nas fachadas de bares e pequenas vendas vazias, lutando contra a lei da gravidade. Do chão de piçarra levantava uma poeira que dificultava a visão e grudava na pele. Uma cidade tomada por erva daninha. Cercas velhas e quebradas, com olhares de quem precisa de cuidado. Essa foi a visão assustadora e melancólica que tive ao chegar. Uma cidade de fantasmas. Uma pontada aguda aqui ó, onde penso que exista um coração. Tudo ali me parecia tão familiar, mas ao mesmo tempo tão estranhamente desconhecido. Sentia uma tal de saudade de coisas, de cheiros que nem sei ao certo se vivi. Numa poça me vi refletido. Meus cabelos mal cuidados, e as profundas entradas na testa. E os ralos fios já amarelados. Uma barba que há tempos não aparava. Havia me transformado num ancião. Um ancião com breves lampejos de molequices. O que ora bolas fui fazer eu lá praquelas bandas desconhecidas? Se minha memória de velho ainda prestava pra alguma coisa, aquele era exatamente o dia do encontro anual da confraria do colégio. De várias partes vinham idosos como eu, testemunhas de uma época que não volta mais. Não podia chegar atrasado àquele compromisso! Era o grande momento de rever todos - ou melhor, os poucos que ainda restavam. E eu não devia estar ali! Naquele diabo de lugar no meio do nada! Foi quando eu, homem mais do que feito, de repente senti um bolo me subindo pelo peito, engatando bem aqui na garganta, prestes a ser vomitado. Feito o excesso de pêlos que gatos põe pra fora, de tanto que se lambem. Caminhei com dificuldade até um lugar que me pareceu ter sido um dia uma pracinha. Havia algumas árvores, todas com bastante idade, como eu, com suas madeixas caídas pelos seus longos e tortuosos galhos. Nem preciso mencionar o quanto o mato era alto. Mas ainda assim eu podia ver um banco ou outro de cimento. Meus olhos amarelados de velho se fixaram num deles, embaixo da árvore que me parecia ser a mais senil de todas. Ela me olhava, lá do alto de toda sua história de vida, com uma certeza de quem já presenciou muita coisa. E parecia me reconhecer. E essa combinação banco-árvore era como um imã pertubador. Dessa vez não me contive. E o bolo inevitável foi despejado. E tremi. Tremi em soluços. Tive que sentar para não cair e talvez quebrar um osso qualquer que dificilmente se reconstituiria. Lembrei da minha mãe que sempre dizia “engole o soluço menino!!”. Naquele dia responderia a ela: até que tentei minha mãe, até que tentei... Mas a imagem pertubadora daquele banco velho de cimento, o simples ato de sentar nele, e o olhar acolhedor daquela árvore senhora venceram minha já combalida virilidade. Uma dor que não sabia se era no peito, ou na barriga, ou na cabeça. Talvez fosse na alma, penso agora. O que aquele banco e aquela árvore tinham pra me deixar daquele jeito? Que poder era aquele? E permaneci lá, chorando feito um garoto. Minha pressão deve ter subido muito. Já não podia vivenciar certas emoções. Foi quando ouvi alguns passos lentos...

Uma menina de cabelos revoltos. Esmirrada. Olhar brilhante. Uma saia até os joelhos. A camiseta branca, de tecido, com um bolso do lado esquerdo, bordado com uma espécie de brasão. Ela se aproximou, carregando uma pasta contra o peito, meio assustada, parecendo não acreditar no que via. Sentou-se ao meu lado, emocionada. Passou a mão na minha testa e no meu cabelo. Depois, com dois dedos, deslizou pelos meus olhos, tocando meus cílios e sobrancelhas. Como se os desenhasse novamente. E chorou. Não um choro compulsivo e de dor, como o meu havia sido. Mas um choro risonho. Não entendi. Aquilo tudo já me assustava por demais. Ela abriu um sorriso. E meio gaguejando falou que nunca havia perdido as esperanças. Que sempre esteve certa que um dia, eu retornaria ali. Que todo o abandono, que toda a solidão de anos, numa cidade esquecida como aquela, havia agora valido a pena. E me abraçou e me beijou. E não lhe importavam as minhas rugas. Ou minha boca murcha e sem vida. Depois do longo beijo, me entregou um pequeno livro, com uma dedicatória na contra-capa. E eu retribui com um cartão que não sei como, estava nas minhas mãos. Ela sorriu e me desejou felicidades pelo nosso aniversário. E novamente me abraçou. E mais uma vez eu chorei. E tudo ficou tão claro e reconfortante.

EG

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Espaço para um Tom Especial...

House Where Nobody Lives
from Mule Variations Album, 1999

“There's a house on my block
That's abandoned and cold
Folks moved out of it a
Long time ago
And they took all their things
And they never came back
Looks like it's haunted
With the windows all cracked
And everyone call it
The house, the house where
Nobody lives
Once it held laughter
Once it held dreams
Did they throw it away
Did they know what it means
Did someone's heart break
Or did someone do somebody wrong?
Well the paint was all cracked
It was peeled off of the wood
Papers were stacked on the porch
Where I stood
And the weeds had grown up
Just as high as the door
There were birds in the chimney
And an old chest of drawers
Looks like no one will ever
Come back to the
House were nobody lives
Once it held laughter
Once it held dreams
Did they throw it away
Did they know what it means
Did someone's heart break
Or did someone do someone wrong?
So if you find someone
Someone to have, someone to hold
Don't trade it for silver
Don't trade it for gold
I hav´got all of life's treasures
And they are fine and they are good
They remind me that houses
Are just made of wood
What makes a house grand
Ain't the roof or the doors
If there's love in a house
It's a palace for sure
Without love...
It ain't nothin but a house
A house where nobody lives
Without love it ain't nothing

But a house, a house where
Nobody lives."



Tom Waits
(the guy I'd love to have in my nobody lives house)

domingo, 12 de abril de 2009

Angelical Fleur-de-Lys

--
Foto: EGibson Dez'06
Catedral de Notre Dame - Paris
às 6:30 da manhã


As gárgolas
nos observam
sarcásticas
do alto de suas
torres
Riem
- histéricas
do nosso encontro.

E os sinos
batem
E os órgãos
estremecem os
mil tubos
em tensos
e infinitos graves
E eu,
a QUASIMODA
COXA
DEFORMADA
CORCUNDA
FEIA
e MONSTRA
esgueiro-me
até tua boca
de soldado viril
Meu garboso Phoebus
que me toma
mas nunca me beija!
aproveitando-se do
manto da noite
pra extravasar teu desejo

e saciar tua carne!

Escondidos sorrateiros
entre as naves
frias e escuras
- tão soturnas
da catedral!


Só dessa maneira
meu amado me quis...


Com seu coração
prisioneiro, sincero,
- nunca infiel,
a sua pura
- celestial!
sua noiva Fleur-de-Lys


EG

Em referência ao livro "Notre-Dame de Paris", de 1831 (Autor: Victor Hugo)



Ilustração da Primeira Edição de "Notre-Dame de Paris" - Public Domain

sábado, 11 de abril de 2009

Domingo de Páscoa


Crack. E da barata só sobram as antenas e a gosminha que alguns afirmam ser sangue. Uma asa pra cada lado. Não que ela estivesse de fato incomodando. Ele jamais se importou com a presença dessas criaturas que de quando em vez lhe aparecem para uma visita, em vôos rasantes e seus barulhentos bateres de asas pala única janela do conjugado tosco, mal cheiroso e pouco iluminado que mora, ou melhor, que se recolhe. Às vezes surgem atarantadas, saídas de um buraquinho minúsculo qualquer. Para ele, aquele ser ali esparramado e colado no assoalho de madeira feito uma porção de catarro viscoso, vítima de uma impiedosa pisada, é sobretudo um ser feliz. Ele o inveja. Como deseja ardentemente que um gigantesco pé o esmague até que seus ossos sejam reduzidos a pó. Assim não precisaria enfrentar a janela. Quer gritar, pedir socorro. Se esgueirar por debaixo da porta. Estranho. Seus pés encontram energia para pôr cabo à vida de uma mísera barata, mas não conseguem dar cinco passos em direção à porta mais próxima. Que seria a do casal vizinho barulhento, que vive se estapeando e berrando, histéricos com aquele poodle insuportável - se ainda lhe sobrasse tempo, esmagaria o poodle também. O casal tem momentos difíceis, brigam dia sim, dia não, mas acredita que sejam realmente felizes. Até um capacho com a afirmação “lar doce lar” puseram na entrada. O que estariam preparando para o almoço de amanhã? Um bacalhau à Gomes de Sá? Talvez um bom vinho. Branco, claro - pra combinar com o prato. Apesar de só terem trocado duas ou três palavras ao longo de cinco anos morando lado a lado, quem sabe se batesse à porta deles, não seria convidado para o almoço? Da sua janela consegue ver a movimentação nas cozinhas e nas áreas de serviço. Sua janela não dá para rua, mas sim para o vão interior do prédio. Um vão estreito, que mais parece um fosso claustrofóbico, como o santo sepulcro que tem sido toda sua existência. Seu desafio agora é arrastar aquela gigantesca pedra-janela e bater suas próprias asas em direção à paz e à felicidade que tanto ouve falar e tanto almeja. Levitar ressuscitado rumo ao divino, à perfeição. Rumo à claridade. Só espera que seu vôo não chame muita atenção e não acabe atrapalhando os preparativos para o almoço de Páscoa.

Uma outra barata passeia serelepe pelos restos de chocolate do ovo que ganhou da tia.

EG

terça-feira, 7 de abril de 2009

Guardanapos de Papel

Alucinações Categórico-Etílicas em Mesas de...Poetas (?)
--
MESA 25, Café Lamas, RJ, Flamengo, Abril, dia 04/09
Por: AJJ e EGibson

Se mostrar é se propôr
Querer além do estar
Já certo do que virá (?)
Despir-se do oculto,
pra se expôr

Eu também tive
meu momento máscara...
“Agora só como carne!
Às favas com a emoção!”
Mentira!
Aponto agora o dedo
pra minha cara lambida
A boca cretina falou
O que o coração não dizia...

E é por isso que não devia
Correr um risco previsto
Exigir dos outros
O que a vaidade nos tira
Simples autofagia

E você que sai com prostitutas?
Pra sentir um mísero previsível
Nada além do plausível
Me condenar o risco previsto?!

Sinceridade nem sempre
Da boca que não tem dente
Fala a verdade pendente
O simples fato de achar
Que aparências não enganam

Mas de quatro na despensa
é a puta que sonha
é a princesa que goza
à procura do príncipe
e do seu macho-guerreiro
Menino
--
AJJ & EG

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Aporema

Foto: EGibson
Rio Mazagão Dez'07 - Amapá

Sinto falta do gosto da água de moringa. Do cheiro de esterco de vaca, que cobria até o meio a canela do meu tio. De olhar minha tia em pé, lavando a louça no jirau de madeira. Água puxada com muito esforço no poço do quintal. Das noites iluminadas por lamparinas e lampiões, e das histórias escabrosas de terror que os mais velhos contavam. Ouvia-se até o barulho da onça a rondar a casa. Do olho de vidro do caseiro, cujo rosto era salpicado de pintas acinzentadas - resquícios de chumbo por se meter com a mulher alheia, assim diziam. Dos banhos de rio, e do desespero da minha prima caçula, com a possibilidade de uma visita repentina do boto. Dos pontinhos pretos ao longe - cabeças dos búfalos imponentes, de costas peludas, mergulhados nos pastos já alagados. Eu é que não ousava chegar perto, muito menos usando roupa vermelha. Sinto falta da sensação aterrorizante por constatar minha tamanha inferioridade diante dos paredões de árvores, arranha-céus gigantes que enfileravam nossa pobre canoa, tão ínfima e frágil, deslizando macia por uma rua estreita de águas turvas e só aparentemente plácidas; quando voltávamos da festa de aniversário na casa do vizinho mais próximo, cobertos pelo manto escuro da noite, só parcialmente iluminados por frestas prateadas que cruzavam as folhagens. Vira e mexe um baque surdo no casco da canoa. O guia, morador da região, justificava como sendo um jacaré. Que pavor. Parecia que a qualquer momento seríamos engolidos pelos paredões verdes. Que nosso veículo emborcaria e então seríamos devorados por uma família de jacarés famintos. Sinto falta da teu braço acolhedor e tranquilizador, primo meu, que fazia meu peito disparar de tanta emoção por sentir tua pele tocar na minha, o que até me fazia esquecer do pavor, do assombro, por atravessar aquela floresta compacta, labirintesca e assustadora, a pé, na escuridão da noite, guiada apenas por lanterninha insignificante, pisando tensa em poças enormes das águas que já começavam a invadir a mata. E se as águas subissem repentinamente? Nem teríamos tempo de correr. E se eu pisasse numa arraia? Diziam os mais velhos que elas viviam entocadas na lama, escondidas. E se alguém as pisasse sem querer, seus arpões enfurecidos fariam um estrago tão grande que um sujeito poderia quase morrer de dor. Eu mesma já havia presenciado um ferimento desses. Coisa assustadora.

Saudade. Saudade de uma vida de verdade. Não dessa aqui, de mentira. A qual jamais pertenci. A terra das buzinas, máquinas digitais, lap top’s, carros importados, egos super desenvolvidos, escovas marroquinas, botox, silicone e toda essa parafernalha inútil. A terra das máscaras. De homens e mulheres de plástico. Máscaras, máscaras e máscaras! A terra das armaduras e dos tristes desencontros... De pessoas que se querem e não se permitem. Saudade do seu abraço protetor e sincero, meu primo querido... Um abraço de árvore frondosa. Queria sentir novamente o seu calor, colada em você, trêmula, na garupa daquele cavalo. Quando meu coração ainda era capaz de acreditar.
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Da mesma matéria somos feitos. De folhagens, troncos seculares, pajelâncias, seivas, ciclos, devastação, renovação e água. Muita água doce.
--
EG