segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Meu Ventre

Pernas afastadas, penduradas uma de cada lado. E a cabeça da médica ao meio. Médica fria, quase sem expressão. MARIANA sente uma pontada dolorida, mas não no colo do útero, e sim no colo do peito, apertado, do tamanho de uma ervilha. Os pensamentos em redemoinho, num liquidificador de angústias. E aqueles dois dedos catucando, enquanto a outra mão apalpa o ventre... Pronto. É terminada a primeira fase. Segunda aliás, porque a primeira foi na recepção, com a entrega do dinheiro do exame à atendente. A propósito, que recepeção! Aconchegantes poltronas ocupadas por criaturas tristes, culposas, expressões de certo desespero. Alguns pouquíssimos homens, quase todos de cabeças baixas. Terminada sessão de toques, foi direcionada ao que parecia ser o escritório. Finda a consulta, é chegado o momento de tratar de “negócios”... Instruções foram devidamente dadas, assinaturas devidamente recolhidas. E um pacote significativo de dinheiro entregue.

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LUCIANA, ao lado de ROSA, quem considera seu anjo da guarda nesse momento, caminha por ruela estreita, sem alfalto, de terra avermelheda. De uma lado, casas de madeira. Do outro, muitas árvores. E aquela poeirada toda, irritante... A ruela revelou-se sem saída logo após a inevitável curva à direita. A partir daí, só restavam mais duas casas – em frente a elas, uma mata cerrada. Aquele finalzinho de rua era um lugar perdido no mundo. Com ares de esconderijo, depressivo. Uma das casas era bem simples, de madeira, a outra, de alvenaria, toda branca e bem pomposa - pelo menos no conceito Luciana de pomposidade, menina simples e não urbana, do alto dos seus quinze anos. Mas qualquer que seja o conceito de pomposidade, a casa branca de fato destacáva-se naquele cenário tão seco, árido. Pararam em frente a ela e tocaram a campainha no muro. Uma mulher gorda, vestida de branco, com a testa melada de suor, as recebeu. Pediu pra que esperassem na varanda. E lá ficaram, por mais de uma hora, sentadas em cadeiras de ferro, desconfortáveis, com um fino estofamento vermelho que não aliviava em nada. Luciana e Rosa mudas. Cada uma num planeta distante.

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Mariana, após o acerto no escritório, foi então encaminhada a uma terceira sala, por um corredor estreito e longo. Quase sem fim. Agora seria a etapa dos testes. Era de suma importância essa fase de testes. Em especial o da agulhada no dedo, de onde são retiradas gotas de sangue pra medir a capacidade de coagulação. Isso revela o potencial a hemorragias. No caminho pelo corredor, o peito ervilha avolumou-se e passou a bater descompassadamente. No turbilhão dos seus pensamentos lembrou da faculdade que ainda não acabara, da bolsa de intercâmbio para a qual concorria – com grandes chances de êxito – de um salário fixo que ainda não tinha, do “namorado” que definitamente a queria o mais distante possível. Lembrou-se também de raras vezes ter se aproximado de uma cozinha, a não ser pra fazer um café de máquina, fritar um ovo ou fazer um macarrão com salsichas. Nunca sequer havia preparado um simples(?) bolo!! Como assumiria uma responsabilidade dessas? Como enfrentaria tantas dificuldades? Mudando tão radicalmente o curso da sua vida, até então tranquila? Como? Triste, mas precisava seguir naquele corredor. Deu mais dois passos e seu coração de súbito aquietou-se. Inexplicavelmente... Tomou-se de uma tranquilidade reconfortante. Fechou os olhos, respirou bem fundo. Deu meia volta. Foi tentar reaver o dinheiro.

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Luciana é convidada a entrar. Rosa vai precisar esperar ainda algum tempo na cadeira desconfortáveL de ferro. A partir daí Luciana já quase não consegue pensar. Tudo fica meio devagar e fantasmagórico. Quase não consegue ouvir o que é dito pela gorda de branco. Dizem que é enfermeira das boas! O pagamento já fora feito. Luciana lembra que há um ano atrás dava seu primeiro beijo. Como eram apaixonados... Rosa do lado de fora tensa, esfregava as mãos suadas – como seu irmão caçula foi capaz de tamanha irresponsabilidade! Luciana passa por uma sala luxuosa e é levada a um quartinho nos fundos da cozinha. O cheiro de éter... Algo é aplicado na veia do seu braço direito. Aí sim, tudo ficou mais lento e mais fantasmagórico ainda. Tonta, só consegue lembrar das tertúlias e dos seus pais estacionados na saída do clube, a sua espera, à meia noite. Ela saindo de dentro da danceteria, muito suada. Dançavam horrores. Só acalmavam na música romântica. Quando colavam os rostos. Enquanto seus pensamentos pueris voam, Luciana é escarafunchada por dentro. Até que ouve a voz da mulher de branco ao longe, dizendo que tudo havia terminado, o problema resolvido. Passou-lhe várias instruções, enfatizando a parte dos antibióticos. De fato era uma boa enfermeria essa mulher! Pra Luciana, esse foi um outro anjo da guarda naquele dia cinzento. Um tanto tosco, mas anjo! Disse também que os tampões de gazes deveriam ser mantidos por ora. E que, por algum tempo, Luciana ainda sangraria muito.
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EG

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ventania - Versão 2

Por gigantescas
arenosas montanhas
tortuosas escaldantes
do deserto amarelado
que por séculos caminho
- com SEDE,
- com FOME,
chega ao fim
meu prolongado
martírio

Pois já não seca,
essa fonte em que bebo
cremoso, o sabor desse
néctar
E o sol já não me
escama a pele
E a areia
já não me arranha os póros
Não choro
solitária e com sede
Me alegro
por trazer em meu peito
um oásis
de carinho e afeto
Tesouro
generoso, infinito
onde o brilho
é SÓ!
por te ter feliz.
Tranquilo...

É leve e suave,
caramelo oásis
que carrego comigo.


Elke Gibson

domingo, 20 de setembro de 2009

Poesia conjugada em vermelho

por André Nóbrega

Não despeje silêncio
nessa porta em que o corpo
colhe o berço da semente.
Esteja certa porque é sábio
o teu resguardo e clara
a beleza em arvoredo
de angústia.
A poesia conjugada
em vermelho revela
uma luta insaciável.
As letras expelidas
em tua reinação
camuflam gozos
permanentes.
Num verso receoso
a opção de estar entregue...
Pela existência improvável
a magnitude em ser ELKE!

André Nóbrega, meu amigo poeta querido. Obrigada!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Os Três Atos

1o. Ato

...em pleno expediente, partiu tensa rumo ao banheiro da firma - escolheu o box para deficientes físicos, onde podia esticar as pernas.

2o. e 3o Atos

Gozou deliciosamente em silêncio enquanto sua colega de trabalho escovava a língua na pia.

Voltou pra mesa com músculos doloridos - e uma caimbra nas nádegas. Sorriu e retomou a planilha.

EG

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Setembro

Com uma colher de pau, aqueça uma porção de açúcar em uma panela com lágrimas. Junte um par de cílios longos e escorregadios. Derreto. Salivo... morro.

Caramelos que me derretem! Não podeis por favor virar...duas ameixas?? Assim, sem ciumeira, seguiria eu menos feliz. Menos tua. Menos prisioneira

Pra que diabos tanta humanidade?!! pra que diabos tantas paixões, tanto suspiro, arrepio, tristeza... tanto apego! tanta seiva...

Quero engrenagens! Parafusos! Correias! Que não derretem.. não lacrimejam, não te querem... e não escorrem.

Não rasgam, não sangram, não sofrem... não esperneiam.

Pausa então pra diaba-humana lamber a ferida... que lateja, um tantico e ainda... quando sopram dos lestes as brisas.

EG

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Salve bom, velho e bêbado Bukowski! Tempo perfeito, deliciosamente visual. Animalesco! Puro Roteiro!

Trecho do livro "Factorum", Charles Bukowski (1920 – 1994). Editora L&PM Pocket, vol. 624 / Tradução: Pedro Gonzaga

Minha dívida com quarto, comida, roupa lavada etc. já estava tão alta que foram precisos vários salários para liquidá-la. Assim que isso aconteceu, me mudei de imediato. Eu não tinha condições de pagar os preços praticados lá em casa.

Encontrei uma pensão próxima ao trabalho. Fazer a mudança não era difícil. Minhas coisas não enchiam nem a metade de uma mala...

Mama Strader era minha senhoria, uma ruiva apagada de boa aparência, muitos dentes de ouro e um namorado velhusco. Chamou-me na cozinha, logo na primeira manhã, e disse que me daria um copo de uísque se eu fosse lá fora alimentar as galinhas. Depois de cumprir a missão, sentei-me para beber com Mama e seu namorado, Al. Estava uma hora atrasado para o trabalho.

Na segunda noite, houve uma batida na minha porta. Era uma gorda já entrada nos quarenta. Trazia uma garrafa de vinho.

_ Moro num quarto do outro lado do corredor, me chamo Martha. Você está sempre escutando boa música. Pensei em lhe trazer uma bebida.

Martha entrou. Vestia uma espécie de bata verde e, depois de alguns copos de vinho, começou a me mostrar suas pernas.

_ Tenho pernas legais.
_ Sou vidrado em pernas.
_ Olhe mais pra cima.

Suas pernas eram muito brancas, gorduchas, flácidas, com veias roxas e protuberantes. Martha me contou sua história.

Era uma prostituta. Tinha percorrido todo o circuito dos bares. Sua principal fonte de renda era o dono de uma loja de departamentos.

_ Ele me dá dinheiro. Vou até a loja dele e levo tudo o que quero. Os vendedores não me incomodam. Ele disse pra me deixarem em paz. Ele não quer que a mulher saiba que eu trepo muito melhor do que ela.

Martha se levantou e ligou o rádio. Alto.

_ Sou uma ótima dançarina - ela disse. - Veja como eu danço!

Ela girava dentro daquela barraca verde, dando chutes no ar. Estava longe de ser o que alardeava. Logo a bata passava da linha de sua cintura, e ela começou a balançar a bunda bem junto ao meu rosto. A calcinha rosa tinha um enorme furo sobre o glúteo direito. Então a bata já era, e ela ficou só de calcinha. Logo todas as suas vestes estavam no chão, e ela seguiu com o número. Seus pêlos pubianos quase desapareciam debaixo da barriga frouxa, que não parava de balançar.

O suor fazia com que sua maquiagem escorresse. Subitamente seus olhos se estreitaram. Eu estava sentado na beirada da cama. Ela se jogou sobre mim antes que eu pudesse reagir. Sua boca já aberta foi pressionada contra a minha. Tinha gosto de cuspe e cebolas e vinho barato e (imaginei) dos espermas de quatrocentos homens. Enfiou sua língua na minha boca. Estava grossa pela quantidade de saliva, o que me fez engasgar e empurrá-la para longe. Ela se pôs de joelhos, baixou meu zíper, e em um segundo meu pau frouxo estava em sua boca. Ela chupou e bateu. Martha usava uma pequena fita amarela em seu cabelo grisalho e curto. Tinha verrugas e grandes pintas marrons no pescoço e nas bochechas.

Meu pênis subiu; ela gemeu e me deu uma mordida. Gritei, segurei-a pelos cabelos e a afastei. Fiquei de pé no centro do quarto, aterrorizado e ferido. Tocavam uma sinfonia do Mahler no rádio. Antes que eu pudesse me mover, ela estava novamente de joelhos. Agarrou minhas bolas sem qualquer piedade com as duas mãos. Sua boca se abriu, ela me tomou; sua cabeça ia e vinha, chupando, masturbando. Ela me obrigou a deitar no chão, dando um tremendo puxão no meu saco, quase partindo meu pau ao meio com os dentes. Os sons da chupada enchiam o quarto, enquanto o rádio tocava Mahler. Era como se eu estivesse sendo devorado por um animal impiedoso. Meu pau endureceu, coberto de cuspe e sangue. A visão daquilo a enlouqueceu. Era como ser devorado vivo.

Se eu gozar, pensei em desespero, jamais me perdoarei.

Quando consegui dar um jeito de agarrar seus cabelos para afastá-la, ela apertou novamente minhas bolas e as esmagou sem pena. Seus dentes cravaram na metade do meu pau como se quisessem, feito uma tesoura, parti-lo ao meio. Gritei, soltei-lhe o cabelo, deitei no chão. Sua cabeça seguia em ação, sem qualquer remorso. Tinha certeza de que essa chupada podia ser ouvida ao longo de toda pensão.

_ NÃO! - gritei.

Ela prosseguiu com uma fúria inumana. Comecei a gozar. Era como sugar o interior de uma serpente que estivesse presa. Sua fúria mesclava-se à loucura; ela engoliu todo o esperma, fazendo-o gorgolejar em sua garganta.
Ela continuou masturbando e chupando.

_ Martha! Chega! Acabou!

Ela não iria parar. Era como se tivesse se transformado numa enorme boca, capaz de devorar tudo. Continuou chupando e masturbando. Seguiu e seguiu.

_ NÃO! - gritei novamente.

Desta vez ela bebeu como se fosse uma batida de baunilha, de canudinho.
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Desfaleci. Ela se ergueu e começou a se vestir. Cantou:

"When a New York baby says
goodnight it's early in the morning

goodnight, sweetheart
it's early in the morning

goodnight, sweetheart
milkman's on his way home.. ."

Com esforço fiquei de pé, agarrando-me aos bolsos da minha calça em busca da carteira. Saquei uma nota de US$ 5, passei a ela. Pegou a nota e enfiou-a entre os seios, pela parte frontal do vestido, deu mais uma agarrada, bem faceira, nas minhas bolas, apertou-as, soltou e seguiu bailando quarto afora.
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C.Bukowski
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* Obrigada maestro Messias pela indicação da leitura - simplesmente sensacional.

invasão

meu muro, antes seco, rachado, agora pulsa, todo tomado que foi por essa hera, que ocupou cada centímetro da rocha.
um CoRação abraçado.
EG

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

PASTO FELIZ

ahh opressão maquiavélica da famigerada felicidade, que elimina o espaço CRIATIVO entre a afetação e a ação... as felizes vaquinhas coladas na paisagem...
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..têm fome, pastam / têm sono, dormem / sentem-se inseguras, compram sapatos...
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...numa pastagem verdejante, cercadas por perfumadas lindas flores do campo... SEM ESPELHOS, MAS FELIZES!
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ÊPA! peraí! sou uma vaquinha feliz, me pregaram aqui na paisagem, mas tenho uma dobra a mais! e que surpresa! nessa dobra tem um espelho!
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ih! achei o espelho, me descolei da paisagem, agora não sou tão feliz...
SINTO MUITO MEUS SENHORES! Agora, sinto fome, rumino uma poesia!
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e o cheiro NÃO é de flores...
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EG, a vaquinha infeliz.

domingo, 6 de setembro de 2009

Felicidade

Dia desses revolvendo meus armários bagunçados, deparei-me com a velha ardilosa companheira, a aconselhadeira bola de cristal. Nos encaramos por alguns minutos; a cretina de lá, insinuante como sempre, a piscar suas imagens tentadoras, eu de cá, desconfiada. Acometida por uma fúria incontrolável, caminhei até o sótão e catei em meio a outra bagunça indescritível, minha também velha e boa marreta. De um só golpe acertei em cheio o futuro. Voaram estilhaços para todos os lados. E desde então vivo aqui, satisfeita e enclausurada em meu doce e reconfortante castelo de hojes. Portanto fechem suas matracas bando de caquinhos enganadores! Pois aqui mesmo decidi ficar! Em paz.

Há os que juram ter visto um rasgo de alegria em meu rosto. Penso até que sorri.
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EGibson