quinta-feira, 29 de outubro de 2009

ALOZIAS - o cara

Era pra ser uma colaboração ao conto anterior (inacabado), mas o cara é foda, roubou a cena e merece um destaque especial... Participação especial, ALOZIAS, por Fábio B. da Silva (Blog Reboco Caido, http://rebococaido.blogspot.com/).

"Alozias era um homem de estatura baixa e um corpo obeso ao extremo. Cortava sempre o cabelo a máquina para não ter trabalho de pentear e, de quebra, disfarçar a calvície que não parava de avançar. Sempre que chegava do trabalho tirava a calça e o calçado, perambulando pela casa com a cueca furada e a camiseta branca amarelada. Abria a garrafa de cana e terminava o porre que havia começado no boteco da esquina. Quando o corpo começava a dar sinais de seu peso, se jogava no sofá e ligava a televisão em qualquer canal. Abria o embrulho de gordura e começava a chupar o tira gosto. A mente o tirava dali e a TV se dissolvia em lembranças que há muito tempo o atormentavam. Desde sempre, para dizer a verdade. Era sempre a mesma visão. Sentado no chão do açougue, ainda bem pequenino, ficava apreciando seu pai, de quem herdou a profissão de açougueiro, cortar as peças de carne. Qualquer coisa que caísse no chão virava logo comida para o pequeno esfomeado. Sua alimentação consistia basicamente de carne crua, gordura e coisas do gênero. Normalmente o que os fregueses não queriam. Gostava quando sua vizinha, a moça do quarto ao lado, recebia visitas. Ela tinha um nome estranho, mas era algo que começava com a letra P. Aí ele podia tentar se masturbar ouvindo seus gemidos. Era uma pena que sempre pegava no sono antes de terminar o ato."
.
Obrigada Fábio, seu ALOZIAS é adoravelmente irresistível.
EG

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Em construção...

Conto iniciado na madrugada do dia 28 de Outubro, numa crise de insônia... Proposta inicial para o título: RAJAH. Obs.: Sugestões para continuidade, serão bem vindas.
.
Assim que abri a porta do elevador e dei os primeiros passos rumo ao meu novo “lar”, senti os pêlos eriçarem com aquele grito saído das profundezas que eu mal conseguia definir se humano ou bestial. Um som que me remetia direto aos filmes de terror de outrora, em P&B, que costumava assistir quando criança, sentada solitária e noite adentro no sofá da sala, guarnecida apenas por um lençol fino, que me envolvia dos pés à cabeça, me dando toda segurança que eu julgava necessária, deixando aberta apenas uma pequena brecha pra que os olhos pudessem acompanhar - ou não - as tentações que a TV oferecia. Tentações apavorantes que eu, ainda criança, não conseguia resistir – o tempo passou e continuo não conseguindo passar sem elas. Ainda me é bastante cara a imagem de uma carruagem chegando numa noite fria a um castelo sombrio e aterrorizdor, no alto de uma imensa e esfumaçada colina. Mesmo que carruagem e castelo tenham se modernizado um pouco, ainda preciso deles. Como o ar que respiro.

O som que me recepcionou ao chegar no edifício RAJAH era assim. Algo entre o choro e o êxtase. Um grunido lamuriento e ao mesmo tempo lascivo, que percorria os canais auditivos e me chegava até os ossos, como que fossem trincá-los. Fazia frio. Dia daqueles cinzentos que tanto aprecio. Caminhei por aquele corredor comprido, recheado de portas, cada uma abrigando seu próprio quinhão de originalidade e mistério, que tanto me excitava e me alimentava a alma de escritora maldita. Vontade tinha eu de irromper uma por uma, coberta, se possível, por algum manto invisível e protetor que me permitisse penetrar sem ser percebida naqueles cubículos – claro que deveriam ser cubículos – generosos em histórias que nunca foram lidas, jamais degustadas. E pra que serve então uma história de terror se nunca ninguém, além dos afortunados e extraordinários personagens, tomou conhecimento? Não. Era pra isso que eu estava ali. Era meu dever escancarar todas aquelas portas, uma a uma, expondo à humanidade os inúmeros e sórdidos detalhes escondidos em recônditos mais impensáveis e deliciosos. A simples visão das portas enfileiradas me fazia tremer de pavor e arrebatamento. Quanto fartura, pensei... Cheguei a salivar de alegria.
.
Numa primeira análise o corredor não era nada lá essas coisas assim que pudesse suscitar suspeitas quanto sua capacidade de abrigar criaturas infâmes e suas pecuinhas, baixezas e extraordinarices – pequenos mimos humanos que tanto amo! É verdade que na primeira curva havia uma enorme mancha amarelada na parede, que eu definiria como uma boa mijada de cachorro; muito provavelmente vira-lata. Macho por certo, dado que a mijada era num canto, sabiamente marcando seu território. A coisa estava assim, meio que revoltosamente espirrada a uma dada altura, pra escorrer sinuosa até o rodapé gasto. Era só a mijada e pronto. Nada de latas espalhadas, nada de baratas cruzando meu caminho, muito menos ratazanas. Só uma simples mijada de um vira-lata territorialista e viril. E o grunido ainda não identificado...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

1701

Por Fabio da Silva Barbosa
Ilustracao: Alexandre Mendes
BLOG REBOCO CAIDO, http://rebococaido.blogspot.com/2009/10/1701.html


Acordei ainda inebriada pela manhã de prazer com Morgana. Morgana... Era assim que gostava de ser chamada. Minha machinha. Passei as mãos pelo seu corpo nu. Tomei banho e me arrumei. Tinha cliente marcado cinco da tarde. Queria sair antes que ela acordasse. Se me visse indo, poderia estragar tudo com suas crises de ciúme. Sabia que meus clientes tinham algo com que não poderia competir. Isso a deixava louca. Mas, ela se esquecia do mais importante. Eram apenas clientes. Depositei o dinheiro da cerveja em baixo do cinzeiro que transbordava de bingas e saí.

Ao abrir a porta, o senhor que mora em frente abriu a janelinha.

- Boa tarde, princesa!

Coitado. Deve passar o dia esperando eu abrir a porta para olhar pela janelinha com aquela cara de tarado e me saudar com suas frases feitas. Balancei a cabeça com um sorriso cínico e prossegui. O elevador ainda estava com defeito. A proprietária deveria abater isto no aluguel. Um dos argumentos usados para cobrar esse absurdo por mês, foi o fato do prédio ter elevador. Ratos e baratas disputavam os cantos. O porteiro está sempre dormindo, bêbado.

- Como é Seu Oligário? Assim vai cair da cadeira.

Ele abriu os olhos assustado.

- Oi Dona Clarice... Bom dia...
- Boa tarde!

Respondi com o mesmo sorriso que havia usado para cumprimentar meu vizinho. Era uma forma de agradar. Sabia que eles gostavam quando usava esse artifício. Descendo os degraus que desembocavam na rua, ainda pude ouvir seu suspiro.

- Gostosa !!!

Deve ter voltado a cochilar logo que dobrei a esquina. Veio um táxi. Fiz logo sinal. O motorista parou. Entrei séria. Disse o endereço acompanhado de um discreto sorriso. Cínico, como todos os outros. Desci no restaurante combinado. O cliente já estava me esperando na varanda, tomando sua tequila com limão e petiscando algo que daquela distância pareciam azeitonas. Assim que cheguei, me elogiou, como sempre. Esqueci de conferir se eram mesmo azeitonas no pratinho. Conversamos sobre bana-lidades. Ele era jovem, bonito e tinha dinheiro. Nunca entendi porque precisava de meus serviços. Qualquer mulher poderia aprender a manusear os consolos de que tanto gostava, sem maiores sacrifícios. Pedi suco de laranja. Dentro de meia hora estávamos no motel.

Eram por volta das vinte e uma quando pedi que me deixasse na boate. Foi uma noite movimentada. Morgana apareceu perto da hora de fechar. O segurança criou problema por ter ordens de não deixá-la entrar. Na última vez abriu um gringo a facadas e deu a maior merda. Conversei com ela, mas não adiantou. Deve ter bebido a tarde toda. Saiu me amaldiçoando e disse que quando voltasse conversaríamos. Suspirando, entrei. Ela sabia que ficaríamos na pior se arranjasse um desses empregos de salário mínimo. Atendi mais dois clientes e fui para o banho. Algumas meninas dormiam por lá, mas se não fosse para casa, ia ter problemas.

O táxi que havia pedido já estava esperando. O motorista tentou puxar assunto, mas eu não estava para muito papo. Só pensava em Morgana e na chateação que iria ter quando chegasse em casa. Estava torcendo para que ela estivesse na rua. Pelo menos chegaria bêbada, em vez de me alugar com suas crises de ciúmes. Às vezes penso que seria melhor morar sozinha. Ou então voltar para minha terra. A família ficaria feliz em me ver voltar. Mas agora não dava para isso. Tinha de juntar mais dinheiro. Estava pensando em comprar um carro. Mas carro era perigoso. O último que tive Morgana estraçalhou contra o poste. Quase perdi aquela danada. Se pelo menos tivesse juízo naquela cabeça... Para que beber assim? Mas também, se não beber, fica pior. Ninguém aguenta. Ô coisinha braba que fui arrumar.

Quando nos conhecemos, se vestia de cigana e botava cartas. Fui por indicação de uma amiga e realmente encontrei meu destino. A própria cartomante. Aqueles brincos enormes... Ficava linda com aqueles lenços. O nome havia tirado não sabia bem de onde. Disse que lembrava ter ouvido em algum lugar. Coisas daquela cabeça maluca.

O porteiro estava dormindo. Passei em silêncio. Não estava para sorrisos cínicos. Abri a porta do apartamento. O vizinho da frente também estava dormindo àquela hora. Tomara que Morgana não resolva acordar todos os sonolentos com suas gritarias. A casa estava escura. Ouvi o barulho do chuveiro. Fui para o quarto. Estava tudo revirado. Uma bagunça só.
Deitei e fiquei esperando. Fechei os olhos para, no último caso, fingir que dormia. Ela não veio. Muito tempo se passou. Talvez mais de uma hora. Levantei devagar. O que estaria tramando? Às vezes me assustava com seu lado sombrio. Nunca sabia o que esperar. Bem devagar, fui até a porta do banheiro. Estava entreaberta. Empurrei com cautela. Qual loucura desta vez?

- Morgana?

Ninguém respondia. Dei uma espiada. Não poderia ser. A silhueta, que vi através das paredes plásticas do box, registrava algo terrível. Disparei pelo cômodo, abrindo a porta que me separava do meu amor. O corpo estava caído. Sem vida. Parecia uma marionete esquecida por seu dono. A barriguinha, inchada pelo álcool, tapava parte de sua xota cabeluda. Abracei-a em prantos sem saber o que fazer. Era o terror jamais sentido. A água nos molhava, enquanto pedia para que se levantasse. Só depois observei o sangue tingindo o chão do banheiro. Ainda não tinha me recuperado quando os policiais chegaram. Não saberia dizer quanto tempo passou, ou como souberam que precisávamos de ajuda. Agora, estou aqui. Tomando banho de sol no pátio. Nunca saberei o que se passou em nosso apartamento. O número 1701 de um prédio, no centro da cidade. Fui à única suspeita. Seu Oligário não havia visto ninguém entrar ou sair do prédio. Os vizinhos disseram que brigávamos muito, por isso não estranharam aquela gritaria. Uma coisa é certa e só eu sei. Eu não estava lá.
.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Entrevistando "o" poeta, Glauco Mattoso

Por Fábio da Silva Barbosa (Blog Reboco Caído http://rebococaido.blogspot.com/ )


Ele é poeta, ficcionista, ensaísta, colaborou com diversos veículos de infor-mações, como a inesquecível revista em quadrinhos Chiclete com Banana e tirou seu nome artístico da doença que o cegou. Sabem quem é? Não poderia ser outro, se não o grande Glauco Mattoso.


Como foi o despertar para a arte?

Fallando em despertar, faço logo um alerta: só escrevo pela antiga orthographia e quero que minha escripta não seja mexida, certo? Accordei para a arte porque desde creança vi que minha janella para a vida commum seria fechada pela cegueira progressiva. Foi uma sahida existencial, uma escapatoria.


Qual o principal papel da arte em sua vida?

Antes de mais nada, evitar o suicidio, ou o alcoholismo, ou as drogas mais letaes. De quebra, a arte rendeu algum tesão... (risos)


O que é o underground para você?

Para quem ja cresceu na pe-ripheria e desde cedo foi saccode pancada da moleca-da, ser "underdog" na vida ou "underground" na arte faz pouca differença... A margi-nalidade, social ou litteraria, veiu a ser meu proprio habitat.


Como foi trabalhar com o alternativo na época da ditadura?

Por ser a unica via livre da censura, a imprensa nannica offerecia um illimitado universo creativo. Meu zine anarchopoetico, "Jornal Dobrabil", fez coisa que nenhum grande orgam impresso podia fazer em termos de linguagem, diagramma-ção, conteudo, emfim, foi um vehiculo de commu-nicação de facto.
..
Glauco, careta em relação às suas obras?

Minha philosophia de vida é o paradoxo. Acho que todos somos poços de contradicção, moci-nhos e bandidos ao mesmo tempo. Portanto, nada de extranho no facto de eu ser mais louco como personagem que como pessoa.


Você se venderia para ter uma vida mais confortável?

Através da historia, e em muitas regiões do mundo, os deficientes foram escravizados ou tiveram que se pros-tituir para sobrevive-rem. Si eu vivesse na India, provavelmente seria massagista e chupador para ga-nhar o pão. Aqui posso me dar ao luxo de ser massagista e chupador para ga-nhar inspiração nos sonetos ou nos con-tos... (risos) Mas isso não significa que eu assignaria contracto com uma editora commercial que me pagasse bem mas me exigisse radicaes mudanças de estylo.
.
.
O atual panorama político brasileiro e mundial segundo o poeta:

Ja versejei demais sobre o scenario politico, particu-larmente no livro"Poetica na politica", e tenho commentado a respeito em minha columna na "Caros Amigos". Não ha o que accrescentar: fallar de merda sempre foi minha especialidade..


A tese de que trocamos a ditadura militar pela capital é real?

Sim, mas na verdade nunca a trocamos. A dictadura economica é permanente. Apenas a militar foi addicionada a ella durante aquelle periodo.
.
.
O ser humano se entregou à alienação?

Pode ser, mas ha varios typos de alienação, umas damnosas, outras gozosas. Phantasias sexuaes, mesmo as minhas, que são sadomasochistas, podem ser boa estrategia para compensar as difficuldades practicas. Ja a desinformação é a peor forma de alienação, da qual fujo como o Diabo da cruz.


Seu epitáfio.

Epitaphio? Vira essa bocca para la! Não pensei ainda. Talvez na hora de morrer eu decida. Mas seria algo como "Aqui jaz alguem que jamais soube o que dizer da morte e só fallou mal da vida"... (risos)