quarta-feira, 27 de abril de 2011

mãe é mãe

Sra.Desigualdade, por quanto ainda abandonarás teus incontáveis rebentos à sorte? Ruas, vielas imundas, saco, semáforo, barracos, sacola, córregos e latões? Mosquito e latrinas! Em mãos clandestinas. E por onde diabos anda quem teu lombo espanca e contigo se deita!? Sr.Capital! Esperma omisso e covarde! Na certa o puto tá de desfrute, junto à Soberba-dos-olhos-azuis-que-não-teve-escolha, ó tadinha, com os filhos a salvo, acalentados, rosados, nutridos - tão poucos! Escapam à opção do aborto. Limpo. Seguro. Uma vez bem nascediço, protegidos por obra e graça do senhor dos senhores. Misericordioso... e justo! "Ele sempre sabe o que faz" - e pra quais o faz. Ô ventre desgraçado! Mirai no exemplo de virgem Maria! Louvai, louvai, aceitai teu destino e louvai! Mulher infeliz, vaca desdentada maldita...

Mãe é protetora! Já disse as Casas Bahia.

EG

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Domingo de Páscoa

Crack. E dela só sobram as antenas e a gosminha... sangue? Uma asa pra cada lado. Não que ela estivesse de fato incomodando. Ele jamais se importou com a presença dessas criaturas que de quando em vez lhe aparecem para uma visita, em vôos rasantes e seus barulhentos bateres de asas pala única janela do conjugado tosco, mal cheiroso e pouco iluminado que mora, ou melhor, que se recolhe. Às vezes elas surgem atarantadas, saídas de um buraquinho minúsculo qualquer. Para ele, aquele ser esparramado e colado no assoalho de madeira feito uma porção de catarro, vítima de uma impiedosa pisada, é, sobretudo, um ser feliz. Inveja. Como deseja que um gigantesco pé o esmague até que seus ossos virem poeira. Assim não precisaria enfrentar a janela. Quer gritar, pedir socorro. Se esgueirar por debaixo da porta. Estranho. Seus pés encontram energia para pôr cabo à vida de uma mísera barata, mas não conseguem dar cinco passos em direção à porta mais próxima. Os vizinhos barulhentos que vivem a se estapear e berrar, histéricos como o poodle insuportável - se ainda lhe sobrasse tempo, esmagaria o poodle também. O casal tem momentos difíceis, brigam dia sim, dia não, mas é certo que são felizes. Até um capacho puseram. Lar doce lar. O que estariam inventando para o almoço de amanhã? Um bacalhau à Gomes de Sá? Talvez um bom vinho. Branco, claro - pra combinar com o prato. Apesar de só terem trocado duas ou três palavras ao longo de cinco anos morando lado a lado, quem sabe se batesse à porta não seria convidado para o almoço? Da sua janela consegue ver a movimentação nas cozinhas e nas áreas de serviço. Sua janela não dá para rua, mas sim para o vão interior do prédio. Um vão estreito, que mais parece um fosso claustrofóbico, como o santo sepulcro que tem sido toda sua existência. Seu desafio agora é arrastar aquela gigantesca pedra-janela e bater suas próprias asas em direção à paz e à felicidade que tanto ouve falar e tanto almeja. Levitar ressuscitado rumo ao divino, à perfeição. Rumo à claridade. Só espera que seu vôo não chame muita atenção e não acabe atrapalhando os preparativos para o almoço de Páscoa. Uma outra barata passeia serelepe pelos restos de chocolate do ovo que ganhou da tia.

EG

sexta-feira, 8 de abril de 2011