quinta-feira, 20 de agosto de 2009

ECO

Puxei o minúsculo banquinho de madeira e posicionei-o a meio metro da parede. Sentei. Uma parede daquelas, feita de tijolos robustos, um a um sobrepostos em posição deitada de forma que não seria qualquer baquezinho suficiente pra derrubá-la. Sabe-se que há paredes construídas com tijolos na posição vertical, todos em pé; essas sim, frágeis e facinhas de pôr abaixo. Além dos tijolos em posição reforçada havia também o cimento de primeiríssima qualidade. Uma argamassa usada na construção de lajes. E nem comentei sobre as vigas de ferro dando a sustentação final. Era uma senhora parede de concreto... Vinte metros de altura, por infinitos metros de comprimento. Há de se dizer que minha altura atual, dado que ando diminuindo dia após dia com o sufocante marcar – vejam bem, “marcar”, não “passar” - dos relógios digitais, gira em torno de um metro e sessenta e cinco. Sentado no banquinho, a imagem poderia ser comparada a de um poodle toy em pé, olhando pro casco de um transatlântico. Eu, o poodle toy, e meu banquinho. Após acomodado dentro do possível em meu diminuto espaço, com esse traseiro aqui há muito amolecido esparramado pelas bordas crespas, fiz um primeiro teste.

_ Olá...

Não empostei muito bem. Rrum! Rrum! Tentei limpar a garganta.

_Olá!

Esse já foi um pouco melhor, com um retorno pequeno, mas satisfatório. Mas ainda não o retorno dos meus sonhos. Então lembrei das minhas aulas de canto e tentei sustentar tudo no diafragma. Respirei fuuuuundo até quase implodir os pulmões, num mergulho cego às entranhas, e então, como um verdadeiro tenor de sucesso, mandei ver em um raríssimo Dó4...

_ OLÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ.

Sustentei a respiração por alguns segundos no fonema {a} de forma que a parede deve ter tido uma visão bem privilegiada da minha campainha, vibrante feito varinha verde, no caso, varinha vermelha. Visão não só da campainha, como também da mucosa inteira, do palato todo, da língua gorda, das pontes e coroas, acumuladas com o marcar - de novo, marcar, não passar – de todos esses anos. E o retorno tão desejado finalmente veio num soco de moléculas malemolentes e ondulantes que chegaram até a me descabelar. Feliz e com olhos marejados, chorei de emoção. Trêmulo, prosseguiu então o pequeno poodle.
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EG

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