terça-feira, 28 de julho de 2009

Poema que eu não teria feito

Hoje eu pensei em escrever um poema mórbido... Eu é o cacete! Eu não escreve nada, eu não sabe é de nada. EU não passa de um cão sarnento e faminto a lamber as botas sujas de merda de quem vive a distribuir pés na bunda pelo mundo. Alguém bastante comprido e topetudo, sempre a olhar esnobe lá do alto da sua cobertura, analisando as formiguinhas do último andar do seu arranha céu de ideologias – ceguíssimo! Quase quinze graus de miopia mais uns não sei quantos de astigmatismo. Eu, de existência miserenta e escurraçada. Eu não pensa. Eu muito menos faz poesias! Eu não passa de uma titica que nem mais melequenta e viscosa é, mas sim ressecada, estorricada pela tamanha e contínua exposição à aridez de sentimentos que acabaram por fazer eu virar pozinho. Eu, poeirinha de titiquinha solitária e solta pelo cosmos, sem rumo certo. Pois bem, dado que eu foi devidamente remetido ao seu merecido lugar, recomecemos o parágrafo...

Ele hoje acordou com uma puta vontade de poetizar a finitude. E pensou: quero escrever algo novo, de construção perfeita, sonoro, com ritmo e melodia a tal ponto fuderosos que sua leitura empostada emitiria flashes de cores nunca antes experimentadas por ouvidos sensíveis. Esses lubrificados canais auditivos predispostos ao prazer e só ao prazer – nada de surdez, por obséquio, pois surdos aqui não têm uma única vez! O leitor desse poema de morte, do alto de um púlpito de mil ouvintes salivantes, ergueria então o queixo, apertaria os olhos com ramificações nervosas a abocanhar o branco globo ocular em fúria, feito teia carmim de uma viúva negra, em simetria com veias arregaçadas e insandecidas dos braços e pescoço a bombear tesão em estado de divina graça até mãos histéricas, enquanto o peito arfado cospe jatos em cores & versos, escarrados por entre dentes, maculados por uma língua lasciva e cadenciados por uma respiração dolorida. Os joelhos do leitor dobrariam em exaustão. Pobre leitor derrotado. Prostrado, semi-morto, finalizaria a sinfonia. Assim seria esse tal poema de morte.
--
puta
que o teria
ENTÃO
parido

EG

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Diário de Bordo 1

Por: Débora Noal
--
Sou também deste mundo.
--
Hoje o dia amanheceu pleno de domingo, quando a manhã ainda acordava, subi o morro acompanhada de uma enfermeira da equipe para fazermos uma exploração do terreno. Vestidas para as intempéries do clima, caminhamos durante algum tempo ao som dos cânticos das igrejas que reverberavam, ainda que longe, pelas ruelas e esquinas de areia e pedra. Era um caminhar manso e curioso, um gostoso momento de descoberta, sensação boa de adentrar as ruelas e ver o olhar de estranhamento das pessoas, afinal éramos nós: as brancas que adentrávamos seus territórios, quase dentro de suas casas para poder passar de uma estreita rua a outra, onde a cada nova casa saudávamos com: Bonjour, e recebíamos um Bonjour Blanche. Assim somos nós nesta terra de contrastes e linguagens que produzem o estranhamento, o aninhamento, o encontro. Quando ainda subíamos fomos encontrando meninos de 8, 10, 12 anos de idade que ainda que nada falassem nos acompanhavam lado a lado e sorriam com o olhar. Por vezes algum perguntava algo em Créole (uma das duas línguas deste país que é também francófono), pediam para tirar fotos e dividiam a água que carregávamos conosco enquanto subíamos. Quando chegamos ao alto do morro, a grande recompensa do esforço: poder contemplar as diversidades desta cidade plena de inquietudes. Ao tempo que enxergávamos o brilhante e azul mar, a montanha de pedras, o grande lago montado pela força da natureza durante o ciclone, as casas ainda sem telhado, os grandes bairros feitos de tenda para alojar os desabrigados do ciclone, as grandes montanhas de lama depositadas em meio as ruas, casas e escolas, os velhos carros amarelos com suas latarias furadas. Podíamos escutar as buzinas dos caminhões que cortam a cidade na grande Rota National, parecia uma cena de um filme que ainda não tinha visto. Uma boa sensação de quem descobre o mundo na plenitude de suas sensações. Passado metade do dia a subir e a descer montanha, ajudadas pelos promissores projetos de adultos, retornamos a base do MSF na seqüência do domingo de descobertas. Sempre retornamos a base e/ou avisamos de tempos em tempos o rádio operador para informar onde estamos e se estamos bem. Não saímos sem rádio ou celular, temos um forte esquema de segurança, além de regras bastante claras sobre os lugares e horários que podemos sair, jamais estamos sozinhas. Quando o dia ainda era domingo, fomos à praia, porque domingo também é dia de praia para a equipe do Ciclone... Bom dia de encontro. Fiquei durante toda a tarde a brincar com os pequenos projetos de adultos que me cercavam, fizemos uma aula básica de como produzir fotos com minha máquina fotográfica. É bom acompanhar a descoberta curiosa que o aprisionamento da imagem provoca, a cada novo flash um sorriso de quem sabe que é autor, que é capaz, que é possível. Seguido do momento aula de fotografia, me brindaram com um novo penteado, eram 3 pequenas cabeleireiras de 8, 10 e 14 anos que me cercavam e fizeram muitas tranças, com um pente desbotado, que um dia parecia ter sido cor-de-rosa, e poucos dentes para exercer sua função de pentear, mas as pequenas e ágeis mãozinhas me produziram um novo visual. Enquanto as três me produziam, havia uma quarta que fazia de conta que fazia as minhas unhas e lixava meu pé com um coral marinho, em plena praia, em frente ao mar, os mundos se encontravam e trocavam formas de se compreender. Na despedida o grande presente: as pequenas figurinhas de 4 e 5 anos de idade juntaram um grande saco de minúsculas conchinhas do mar e me deram de presente, em troca ofertei uma coca-cola que estava dentro da mochila, milimétricamente dividida por 10 crianças, uma triste cena de um momento feliz de encontro. Ainda que por vezes machuque ver as incongruências desta cidade, tenho uma boa sensação de estar em contato com a vida...Bom saber que posso desabitar meu mundo tranqüilo de certezas. Bom saber que a cada novo dia é um novo amanhã que abre uma janela ou me joga pela porta um raio de sol, uma gota de chuva ou um círculo de vento. Sensação boa de devir, de atuação, de sair da platéia da televisão e entrar pela tela da vida, caindo de susto no palco de um mundo que antes me tocava, mas não era meu, agora eu sou também deste mundo.
--
--
PARTE 6 - 06 de janeiro de 2009, Gonaïves, Haiti.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Vida

By Sergio Caddah
Série Fantasmagórica
--
quem é capaz de
deter
aquele que já não
respira?

nenhum temor,

amarras

choro

muro armadura

esquecimento ou faca

cianureto lágrima

soco pontapé injúria

oxalá que eu sempre morra!
de morte mais cruenta
de morte bem sofridíssima!
liberta!
liberta-me que
te quero plena...

Senhora Foice

liberta-me que te quero,

vida!

EG

terça-feira, 14 de julho de 2009

espetaculando

fade in.
--
A água desce escalpelante e esfumaçada pelas costas, enquanto EU arregaça com cuidado o prepúcio e lava devagar a glande magoada – a dor ainda não cessou completamente. Aproveita o deslize da espuma em abundância e lava também os diversos orifícios. Os alcançáveis.

Só quando passa por esses perrengues é que bate um arrependimento por enrolar tanto com essa maldita fimose. Inadmissível que EU – ser tão ciber-ultra-mega-rápido-modernoso-eficiente-atualizado, prestes a se lançar no estrelato business, com a capa da Jovens Empresários batendo à porta – seja capaz de conviver com essa aporrinhação se arrastando por tanto tempo. Relaxado, libera gases tímidos, mas bastante eficazes. EU deixa o box.

Ainda pingando, senta afoito no banco comprido de ripas de madeira, com uma toalha branca enrolada na cintura e blackberry de última geração em punho.

@ 7:25 am
bdia! 1ª info importante do dia: de pé as 7:25, dps d puta spinning, td xêroso e lavado, no banheiro da academia marcando medico! :-( pqp ninguem merece...
-
@ 7:27 am
by the way, dolar a 1,9235

Devidamente bezuntado de cremes, cabelos indefectivelmente plácidos e gentis, em largas e bem comportadas ondas após a aplicação do gel importado, EU faz uma careta pro espelho pra depois sorrir de satisfação. Perfeição, única palavra cabível... E com um pedaço de papel higiênico, limpa resquícios das narinas de pêlos recém aparados na rotineira faxina geral, cuja abrangência alcança também os pêlos das orelhas - se demora, lobisomem ataca - bem como os pubianos, tão inconvenientes numas e noutras circunstâncias. Desembainha novamente o “fôni intiligente”.

@ 7:50 am
saindo d banho caprixado tdo boa pinta..indo pra reuniao importante! possibilidade grande negocio! torcam por mim cambada! ô vida xata kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

@ 8:30 am
indo limpar dentes apos maravilhoso croissant com cappuccino antes da reuniao... mto ansioso.
-
@ 8:34 am
a qm interessar, bovespa medio 52.048,74

E...

@ 10:15 am
reuniao done... success is my name!..simply perfect! q venha Jovens Empresarios!

@ 10:25 am
BETO, happy hour na drinkeria hj, 20:13...I’ll be there, Lauriano Hulk & Angelina too..aparece cara!


@ 1:15 am
pappo iteresante com famila hluk..cHeo amigoss

EU abre a porta do flat às 1:44. Joga a pasta no sofá, arrasta-se cambaleante até o lap top. Um calafrio percorre a espinhela. Ansiedade! eu baixa a cabeça engolido pelo ciber vácuo. Punhal no peito... eu, um coisinha de nada: Visitors Count 0!
-
@ 2:04 am
sorteo 1 cel qm me add...

@ 2:08 am
na cama em boacommpania?..porrra de madita fimose..:-(

-
EU fade out.
-
Battery at 1%...
-
Paula salva apressada o trabalho na pasta "Contos & Poesia - Experimentações do EU". Fecha o editor de texto e segue pensativa com seu copo de cowboy na mão, em péssima companhia de Sonata para Piano No 14. Antiquada que não se emenda, dá início a mais uma insuportável degustação de Ilíada a varar pela madrugada. Não em prosa. Em verso. Lamentável...
-
EG
-

domingo, 12 de julho de 2009

O Cortejo

Deslizou a mão na pelúcia macia de Pebbles e a gatinha ronronou desolada - sentia não poder levá-la a Bathgate Procession. Aprumou o vestido de cetim, retocou o batom - quem diria, vermelho - e posicionou sua coroa de princesa, envolta a cachos desgrenhados. Já pensou em domá-los, mas foi aconselhada pelos seus novos amigos do programa a se manter exatamente desse jeitinho. Criaturinha simples, ar saudável de aldeã, bem típica moradora de West Lothian. De bochechas rosadas. E assim o mundo se rendeu a seus pés. Esse ano prepararam uma carruagem só para levá-la em cortejo pela procissão. De princesa, como nos sonhos. Depois do estrondoso sucesso no concurso de calouros, virou uma figura importante na cidade. Escócia e o planeta inteiro de joelhos após ter estremecido o teatro com sua voz de mil anjos. Olhou o porta retrato da mãe e chorou. Sentia falta até dos momentos em que precisava carregá-la até o banheiro. A única a chamá-la de princesa. “Minha pequena princesa”, murmurava. Mas depois do Britain’s got Talent, quem diria, passou a ser chamada assim até pelos rapazes que antes a apelidavam de Memeia. Imagina se sua mãe pudesse vê-la... Que orgulho. Avisou ao padre que interromperia os trabalhos voluntários na paróquia. Queria reinar. Um reinado longo e feliz. Quem sabe na procissão, enfim, não borraria o batom vermelho no seu primeiro beijo. Taquicardia. E antes de sair, tirou do forno o bolo de chocolate que preparou para mais tarde, à noite, comemorar seus cinquenta anos. Na companhia da sua melhor amiga.

Pebbles, por certo, a aguardaria muito ansiosa.
-
Susan Boyle, por EG.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

39,5°

13:31
-
...de súbito foi sugado pelo vácuo entre o não-ser e sua cama. Chocou forte as costas contra o colchão de molas, o que fez suas pernas chutarem o ar com o refluxo da queda. Abriu as pálpebras apavorado e custou a reconhecer o ambiente. Tentou virar de lado, mas o furúnculo da nádega esquerda incomodou. Limpou o suor da testa cravejada de brotoejas e se esforçou pra acalmar a respiração; e só então reconheceu seu quarto pelas rachaduras na tinta branca do teto que circundam um ventilador de palhetas empoeiradas e enfeitadas com teias de aranha. Febril, de novo experimentara a enlouquecedora queda livre no absoluto nada...
-
14:10
-
Uma francesinha passou correndo pelo espelho da cama. Franziu o cenho tentando visualizar o lugar de onde acabara de ser arremessado. Sua intuição lhe remetia prum caminho de terra com poças lamacentas, que enveredava por uma vegetação seca. Trilha estreita e recheada de pisadas antigas, perdidas no tempo - todas apontando para a mesma direção. A lembrança desse lugar e dessas pisadas desconhecidas não lhe traziam uma sensação muito agradável. Sentia-se desolado. Quis chorar. E enquanto se debatia mentalmente tentando juntar peça por peça, ouviu um crack. Suspendeu a respiração, retraiu os músculos e aterrorizado decidiu só enxergar o escuro. Olhos bem apertados, cobriu o rosto. A maçaneta acabara de ser forçada.
-
16:58
-
...os braços começaram a inchar dando lugar a dois enormes balões. Cresceram tanto que até perderam os contornos. Braço, cotovelo e antebraço viraram uma única peça arredondada, deformando a sereia do ombro, antes curvilínea e enigmática, agora melancólica obesa cuja calda passou a lembrar uma baleia orca. Além do tamanho, o peso descomunal dos membros o impedia de levar as mãos até o rosto e secar novamente o suor da testa, que pingava encharcando o lençol azedo que há mais de uma semana não era trocado. Uma corrente gélida percorreu o quarto vindo de lugar nenhum, mesmo estando a única janela sem mínima fresta sequer. Arrepio. Dentes e lábios em tremelique.
-
18:01
-
Uma labareda incandescente lambeu seu corpo e derreteu a pele que escorria por uma carne já estorricada. Sentiu algo macio e molhado passando pelo seu rosto chamuscado. E nada de ouvir um som humano vindo em seu socorro, muito menos uma sirene salvadora. Era só um chiado de um programa de auditório ao longe e tristes grunhidos de um cão sarnento e choroso.
-
EG
-
* retalhos abstratos nos intervalos de relatórios financeiros e análises de lucratividade...return of equity (ROE) yty (year to year) worse by 0.6 basis points...gross profit (GP) flat qtq (quarter to quarter), driven by lower volumes compared to cost of debt increase...no performance improvement is expected at a short term.

sábado, 4 de julho de 2009

Meus Olhos e Ouvidos

--
Nóbrega,
caro Nóbrega.

De nóbrega alma
De nóbrega vida
nobrega pra mim um soneto
desses poucos assim,
caudaloso
opulento
Meu Nóbrega
amigo

aquieta meus males
...e já acalma a ferida
com teu verbo
o infame
o gracejo
com teu
generoso sorriso

Só tu vês o
que vejo!
Só tu!
Escutas o
que ouço
Dá-me emprestado meu olho!
Suplico!
E também meus ouvidos
Pra que eu caminhe
segura
por esse vale
obscuro
- de lágrimas
- de poucos

Meu Nóbrega,
tão farto
Meu Nóbrega
querido

Elke Gibson