domingo, 15 de novembro de 2009

SURFISTA AMADOR


Foto: Lágrimas
Luis Palma Féria
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Na primeira vez que ELA me derrubou foi algo indizível. Mal sabia eu que era possível ser traspassado de maneira tão cortante e poderosa, que pudesse virar a pele do avesso e me arrastar por aí exposto como um caracol sem a casca, à mercê das intempéries de uma existência que de qualquer outra forma não teria razão de ser, sendo, tão somente por nos terem dito que assim era preciso. Iniciou com um murmúrio, rodeado por silêncio. Devolvido por mim com um soluço engasgante que me dificultava muito a respiração. Uma desolação de pensamentos preenchido por um vácuo pesado. Era eu sentado em minha prancha habitado por ausências em meio àquele gigante azul, instintivamente à espera DELA. Talvez por tendências suicidas, dei braçadas nervosas em direção ao murmúrio, impulsionado pelos espasmos dos meus soluços, ou mesmo porque algo me sinalizava que estar cara a cara seria a melhor, única e extraordinária forma de sobreviver, já que não havia rota de fuga. E eu deslizei ausente de mim e tenso, enquanto percebia todo o resto recuando, sem saber exatamente onde aquilo daria e o que estava prestes a enfrentar. Então ELA se desenhou num horizonte que a cada segundo encurtava um pouco mais. Vi o paredão – confirmação de minha pequenitude humana. Como tudo ao meu redor, meus sentidos também recuaram até ficarem imperceptíveis, só me restando os soluços, os batimentos acelerados e o gosto salgado na boca – já não comandava os movimentos, e num esforço titânico tentava ficar em pé, caótico e trêmulo na escuridão projetada pelo meu inconsciente, apagando os raios do sol cujo o brilho todos juravam soberano, sempre no alto de tudo. Foi quando ELA me alcançou. Mal posso descrever o que foi estar pela primeira vez dentro dela. Entubado numa espuma raivosa e engolidora que me lançava, minúsculo, em todas as direções. A prancha sob meus pés ao invés de estar ali em meu socorro me dando firmeza e sustentação, naquele momento mais pareceu algoz do que salvadora, pois me carregava numa velocidade impossível de dominar. A coisa se dava desta maneira - absolutamente nada eu podia controlar e ao mesmo tempo nada podia ser tão poderoso. Então caí levando a soberba junto, rodopiando em parafuso rumo às profundezas. Pequenos vislumbres de minha desgraça em forma de corais brilhantes e coloridos. Sem poder respirar e com pulmões aguados, senti a força do impacto na cabeça e também nas pernas e braços. Costas, rosto. Coração e estima. Esfolado na pele que já pelo avesso estava, continuei meu mergulho rumo à inexorável visceralidade, deixando pra trás meu próprio sangue como evidência de minha passagem nesse mar habitado por seres incompreensíveis.

Muito tempo se passou desde minha primeira vez. Hoje já sei bem o que me espera ao ouvir o murmúrio, mas tenho aprendido a compor junto com ELA, já que não é mesmo possível estar em terra firme, sentado, contemplativo, em segurança junto a tantos afortunados. Descobri que minha pequena e insignificante mão composta de tão frágeis dedos, ao tocá-la só bem de leve, como leme, me ajuda a manter algum equilíbrio me dando uma direção dentro desse turbilhão que me quer sempre esmagar. Já dá pra rabiscar no ar algumas manobras dignas de admiração, assistidas pelos afortunados lá da areia. O contato com os corais e rochas ficaram menos frequentes. Já nem sempre me sucede um rastro salgado de sangue.

EG

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