quinta-feira, 12 de março de 2009

DESPEDIDA

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1 - INT. APARTAMENTO - DIA
Sala em desordem. Mesa com um lap top, uma pilha de papéis e uma uma garrafa de cerveja. Estante com muitos livros e CD’s. No chão, espalhados, mais livros (vários de mitologia grega) e alguns LP’s de música clássica. Ouve-se um solo de violão (Serenata do Adeus - Baden Powell e Vinícius de Moraes).

PEDRO (V.O.)
Prazos!!! (pausa)... Escuta uma coisa importante Ivan: uma conclusão mal resolvida compromete a narrativa inteira! (pausa prolongada).

Pedro, quarenta anos de idade, está em pé, na janela, falando ao telefone, fumando um cigarro e olhando para rua, onde o trânsito é intenso. Está vestido de maneira relaxada; barba por fazer.
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PEDRO
Ivan, já disse, sem pressão! Essa mania terrível... Tudo se resume ao maldito lucro! E a Literatura meu caro? Como fica? La littérature! L'art, Ivan. L'art...

Pedro caminha em direção à mesa e senta-se de frente pro computador. Dá um gole na garrafa de cerveja e olha para um texto na tela. Ao lado do computador um cinzeiro cheio de guimbas de cigarro.
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PEDRO (ainda ao telefone)
Dane-se o editor! Por que ele não vai pertubar o imortal? Fala pra ele que meu negócio é outro! É Literatura, meu caro! A propósito, ele sabe o que é isso? (pausa prolongada). Okay. Muito bem, conversamos amanhã (pausa). Tô calmo! Abraços.
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Pedro desliga o telefone e transtornado, calça um sapato, pega um casaco e sai, batendo a porta.

2 - EXT. RUA - DIA
Pedro caminha pelas calçadas com expressão angustiada e desorientada. Esbarra em pessoas e atravessa rua correndo com o sinal de pedestre já piscando, prestes a fechar. Pára em frente a uma loja de instrumentos musicais e observa por alguns minutos violões expostos na vitrine.
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INSERT
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Uma mulher toca uma música erudita num violão - ela tem trinta e cinco anos, bonita.
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FIM INSERT
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Uma mão toca o ombro de Pedro. É o vendedor da loja que oferece ajuda com o produto da vitrine. Pedro agradece (a conversa não é ouvida).

Pedro volta a caminhar. Segue pelas ruas com expressão pensativa. Ao longe, em pé num ponto de ônibus, a mesma mulher do INSERT ANTERIOR (a que tocava violão). Os olhos de Pedro se enchem de lágrimas.

Pedro corre até ela, segura-a pelos ombros e olha diretamente em seu olhos. Os objetos que ela segura caem no chão. Aos poucos o rosto da mulher começa uma lenta transformação, até tornar-se um rosto que não é mais o da jovem do violão. Pedro solta-a. A mulher, assustada, empurra Pedro e afasta-se pra trás. Pedro abaixa-se e apanha os objetos no chão enquanto mantem o olhar fixo nela. Entrega os objetos a ela e pede desculpas (a conversa não é ouvida). Nervosa, a mulher pega seus pertences, vira-se e sai apressada, quase correndo

Pedro volta a caminhar, parecendo muito mais pertubado ainda. Muitas mulheres passam por ele e algumas delas momentaneamente têm os rostos transformados no rosto daquela que tocava violão, pra logo em seguida voltarem ao normal. Transtornado ele pára, segura a cabeça com as mãos e se desespera.

3 - INT. APARTAMENTO - NOITE
Pedro, deitado, levanta abruptamente o tronco da cama onde dorme. Quarto à penumbra. Permanece sentado na cama com olhar atônito. Cambaleante, levanta-se e caminha em direção a uma cozinha. Acende a luz, abre a geladeira e enche um copo com água. A cozinha é pequena e aparenta desordem. Pedro dirige-se à sala (mesma da CENA 1), levando o copo. Senta-se à mesa, de frente para o computador. Tela do computador com um texto.
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NARRAÇÃO (em off)
"Ele, o insignificante umbigo do universo, rodeado por gigantes. Foi pra isso que viveu todo esse tempo? Pra acabar assim?”.
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Pedro incia uma digitação compulsiva. O texto na tela vai aumentando.
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NARRAÇÃO (cont.)
“...feito um pontinho no chão, envolto a uma multidão de fantasmas curiosos?”
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Barulho de digitação.

Pedro bebe um gole de água. Som da digitação. Tela do computador. Frases vão sendo digitadas.
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NARRAÇÃO (cont.)
“...flashes de um branco ofuscante. A figura dela é agora apenas um vulto. Quase já não é capaz de distingui-la nessa imensidão branca...”.
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Pedro pára de digitar. Tela de computador. Pedro deleta o texto - frases começam a ser apagadas. Angustiado, observa a tela por alguns segundos. Com o mouse começa a vasculhar arquivos no computador. Abre um arquivo com fotos. Na tela, várias fotos de Pedro abraçado à jovem que tocava violão (no INSERT da CENA 2). Seu nome é Marília. Pedro detem-se numa foto em especial. Na foto, Marília está sorrindo, enrolada em um lençol, com a mão estendida em direção à câmera - evitando ser fotografada. Luz de flash. Marília passa a se movimentar na foto.
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FLASHBACK
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4 - INT. APARTAMENTO - DIA
Marília enrolada em um lençol, sentada numa cama, levanta-se e anda em direção a uma câmera que dispara flashes. A câmera é manuseada por Pedro (em off).
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MARÍLIA
Seu monstro. Me dá isso! Deleta, vai.
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PEDRO (em off)
E por que eu faria isso?
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MARÍLIA
(rindo e tentando pegar a câmera)
Que tal porque tô pedindo? Motivo razoável, não?

PEDRO (em off)
Sabe que nem tanto? Acho que você não está se esforçando o suficiente.
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Marília ri e se esforça ainda mais pra pegar a câmera, que continua disparando flashes.
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MARÍLIA
Então que tal um motivo mais ortodoxo?

PEDRO (em off)
Exemplo?

MARÍLIA
Tipo... Vejamos... Um olho roxo. Que tal? Anda Pedro, não tá vendo como tô descabelada!
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Pedro abraça Marília.
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PEDRO
Adoro mulheres persuasivas. Sobretudo se descabeladas, gostosas e na minha cama. E roxo é uma cor que não me cai bem.

MARÍLIA
Ótimo. Temos um acordo então. Até que você não é de todo mal, sabia? Seu escritor maluquinho.
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Os dois caem na cama e se beijam.
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PEDRO
Te amo tanto...

MARÍLIA
Eu um pouco mais...
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FIM FLASHBACK
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4 - INT. MUSEU - DIA
Interior de um museu de arte, Pedro observa alguns quadros. De repente sai da sala de exposição e vai para o corredor atender ao celular. O corredor é longo e vazio. Pedro caminha por ele, falando ao telefone.
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PEDRO
Eu sei Ivan. Cara, não sei mais como explicar! Então marca uma reunião com o editor porra. Eu mesmo renegocio esse prazo com ele...
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Pedro pára de repente com uma expressão assustada. Um solo de violão inicia (música: "Serenata do Adeus", de Baden Powell e Vinícius de Moraes). Devagar Pedro tira o celular do ouvido e permanece por alguns segundos imóvel. Sua expressão fica cada vez mais tensa. Inicia uma caminhada rápida, as vezes com corridas curtas. O corredor é longo, vazio - lembra um labirinto. A música fica mais forte. Som dos passos e da respiração ofegante de Pedro, que chega à porta de um pequeno auditório, cheio.

No centro do palco, Marília toca um violão. Ele permanece em pé, à porta, com olhar estupefato. A música acaba. A plateia aplaude.
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PEDRO
Marília!
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EG
Referência:

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