quarta-feira, 22 de abril de 2009

Cinzas de um Sutiã - 3

Abriu os olhos. Viu que era dia. Estava nua. Deitada de lado, em posição semi fetal...

Mas calma aí. Podia sentir um calor tocando sua pele por trás. E umas cafungadas quentes em seu pescoço. Baixou o olhar na direção de sua púbis depilada, completamente lisa, sem um pelinho sequer, e percebeu que nela pousava uma mão peluda e cheia de dedos. Sendo que o indicador e o maior-que-todos dessa mão misteriosa encontravam-se tão infiltrados entre suas pernas que mal podia vê-los. Tudo rodava tanto... Carregava uma bigorna na cabeça. Revirando a íris, fez uma ligeira averiguação de terreno. E pelo o que foi possível apurar, a decoração parecia, parecia... a de um motel! É isso! Estava num motel! E quem seria a criatura dona da mão cabeluda que lhe encobria as partes? Deus! Que sensação desesperadora. Como foi parar ali? Buscava mas não encontrava um fiapo de lembrança. De qualquer forma não ousou mexer um músculo. Nem pensar em desfazer aquela posição. Seja lá quem fosse aquele ser colado em suas costas, não podia negar que era '"o" responsável pela materialização - enfim - de um grande desejo. Há meses vinha sonhando com isso... dormir de conchinha! Sentia-se uma mulher realizada. Abriu um sorriso. Já se passara uma eternidade desde a última vez que pôde desfrutar dessa sensação. Pois de todos os caras com os quais havia transado nos últimos vários meses, com quase nenhum chegou a concluir uma noite inteira. E se chegavam a amanhecer juntos - e se dormissem -, era cada um pro seu lado, feito marido e mulher. Por isso mesmo, apesar da angústia por não lembrar de absolutamente nada, sentia um quê de felicidade. Uma leve sensação de euforia. Mesmo considerando o rodopio da cabeça, aquele desconhecido lhe proporcionava um bem estar tremendo. Sentia-se protegida. Agasalhada... E melhor de tudo, saber que passou a noite com aquela mão pousada sobre sua parte mais íntima lhe dava a impressão que o sujeito de fato a desejava. E se importava! Muitos sequer a tocavam - tá bom, vai, esclarecendo, agora não falamos mais de dedos, mas sim de boca... Sempre foi muito exigente com a questão da limpeza. Sempre se considerou uma mulher limpinha. Sempre com o seu preventivo em dia. Nada de odores desagradáveis, nada de nada. O que a levava a concluir que algo pudesse ter a ver com talvez o seu cabelo não esticado, seu pouco caso com acessórios, bijuterias e maquigem, seu estilo simples e um tanto desapegado de vestir... vai ver, sei lá... Provável que os caras a vissem como um exemplar “pouco higiênico” de fêmea. Suspeitava que para a grande maioria dos homens, vaidade escravizante era sinônimo de higiene. Desconfiava que para eles as verdadeiras merecedoras de carinhos íntimos fossem as mulheres viciadas em salão de beleza. Em creme pro rosto, creme pras mãos, pros pés, pras pernas, pros cotovelos, - sei lá, creme pras orelhas! Sem falar nas tais cem escovadas de cabelo minuciosamente contadas antes de dormir, em sacolas de shopping center e mais inúmeros outros sintomas de um quase TOC (que acomentem em torno de 99% dos exemplares da espécime). Essas que nunca jogaram bola descalças em ruas de piçarra com os moleques da vizinhança. Que nunca escalaram um jambeiro ou mesmo uma simples goiabeira (jambeiro era muito mais difícil), que nunca roeram uma única unha... Bem, até que havia tentado ser mais mocinha, mas era um sacrifício demasiadamente pesado para ela. O ambiente de salão então... absolutamente insuportável... uma tortura Chinesa. Interessante era que os homens que mais mantinham-se distantes da sua depilada e lisa genitália, eram os que mais se regozijavam e quase subiam pelas paredes quando ela resolvia demonstrar seus dotes e habilidades manuais, linguais e salivares. Egoísmo? Talvez. Mas nunca reclamara de nada. Não faria sentido receber carinho por obrigação ou como uma recompensa. O fato é que esse desconhecido era especial. Não só fazia questão de passar a noite com aquela mão ali, quanto fazia questão de dormir de conchinha. Coisa quase só experimentada por casais de namorados em início de relacionamento. Era isso! Naquele momento sentia-se a namorada. Forçou um pouco mais a mente pra tentar lembrar como seria o rosto e quem sabe até o nome do cavalheiro. Último romântico do planeta, fascinado de verdade por fêmea, e não por mulher de plástico. Louco por sexo. Nada. Nadica de nada de lembrança. Em seus devaneios sobre seu amante misterioso, apostaria qualquer quantia em dinheiro na certeza de que ele fôra incapaz de sair em disparada rumo ao chuveiro, imediatamente logo após terem gozado, desesperado pra tomar banho. Ávido por se livrar dos famigerados fluidos corporais. Não. Não esse cara. Tem certeza que ele ficou ali ao lado dela, abraçado e relaxando aos pouquinhos, pensando no quanto foi bom. De repente a conchinha que perdurava até então fôra formada no último gozo (quantos teriam sido?). Mesmo em seu ataque de amnésia, algo no fundo do seu coração a fazia crer que ele não dobrou a roupa cuidadosamente, pendurando-a no cabide, antes de dar início aos trabalhos. Estava tomada por uma certeza de que entraram naquele quartinho mixuruca já em situação de jogo. Um rasgando a roupa do outro. Sem pudores. Sem frescuras. Não podia ver, mas tinha certeza que as roupas não estavam educadamente pousadas em cima da mesa, mas sim caoticamente espalhadas pelo chão. Naquele chão sujo de motel de quinta. Calcinha prum lado, sutiã pro outro. Talvez até sua cueca estivesse debaixo da cama. Isso seria o máximo. Como se chamava o seu príncipe encantado? Deus, como seria seu rosto? Sabia por conta dos pêlos da mão que era estilo polaco. Teria barba? Bigode? Não. Senão seu pescoço perceberia. Teria cabelos lisos ou crespos? Gordo? Magro? A impressão é que era alto. Que se dane... O que realmente importava é que ela estava bem ali - de concha!! - amanhecendo libidinosamente acariciada, ao lado do mais novo homem da sua vida. E mais uma vez loucamente apaixonada. Estava certa que a partir de agora seria uma longa série de deliciosas noites em conchinha.
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Sentiu que tanto indicador quanto maior-que-todos acabavam de acordar...

EG

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