domingo, 19 de abril de 2009

Encapuzados - Parte II

Os raios vermelho-giratórios da sirene barulhenta da ambulância, somados ao pisca pisca neon do letreiro do motel, distorcem a visão de Marcelo. Um arco íris pantomímico. Intercalados por flashes de um branco ofuscante. Ana, em pé, estática e quase sem cor, se confunde agora com a Vênus de mármore dura e fria em seu pedestal - ali posicionada estrategicamente na porta de entrada como que para dar boas vindas a amantes desejosos. E tanto Ana quanto a Vênus já não passam de vultos agora. Tudo foi muito rápido. Marcelo nunca passara por aquela rua, mas precisava visitar um cliente. Foi quando seus impulsos nervosos se congelaram ao ver sua esposa tão dedicada ali, naquele lugar sujo, chinfrim, ao lado daquela Vênus de gosto duvidoso. Com aquele filho da puta de coturnos... Seus reflexos paralizaram a tal ponto que não pôde evitar o choque, que nem sabe ao certo de onde veio. Mas o que lhe doeu mesmo foram as mãos... Tão entrelaçadas que estavam uma na outra, apaixonadamente apertadas, íntimas e cúmplices. E agora estava ele ali, num asfalto áspero e esburacado, em plena tarde de uma Segunda-Feira, sem o menor comando sobre seus movimentos. Olhando todo o resto do planeta como se fosse um insignificante umbigo. Um umbiguinho daqueles quase imperceptíveis. Era assim que se sentia. O umbigo da Terra. Uma terra de gigantes malemolentes, circulando fantasmagoricamente ao seu redor. Foi pra isso que viveu todo esse tempo? Uma jornada árdua de trinta e cinco anos lutando por reconhecimento profissional, buscando conforto e bem estar para sua família, marido exemplar, pai amoroso, pra terminar feito um pontinho de merda estendido num chão crespo e empoeirado? Envolto àquela multidão de olhares curiosos daqueles malditos fantasmas? Um pontinho que nem sequer consegue sentir sua própria matéria?
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_Quero levantar! Saiam daqui, párem de me olhar seus escrotos! Quero acertar as contas com essa ingrata e com esse filho da puta... Sumam daqui seus malditos fantasmas! Essa é a retribuição que ela me oferece por tanta dedicação, compreensão e carinho... O sacrifício de ter abdicado do meu verdadeiro amor. Ahh Juliana... foram tantos os momentos que deixamos de viver... Minha Juliana resignada, me amando em silêncio... Resignação minha também, por ter que te ver casada e quem sabe até feliz, e te compartilhar com o Carlos. E ainda ser obrigado a vê-lo ali, todos os dias no escritório, e imaginar que ele acabou de acordar ao teu lado! Juliana, meu único e verdadeiro amor... Nosso filho que cresceu, sem saber a verdade, e eu, distante... O meu filho!! Meu! Como agora gostaria de ver seus olhinhos e chamá-lo de filho. E ouvir da sua boca a palavra pai. Fui fraco... Não mandei tudo às favas... Agora me parece um pouco tarde... São tantos esses gigantes a minha volta... E... já não consigo me...livrar deles...

EG

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