quinta-feira, 16 de abril de 2009

Encapuzados

Depois de alguns minutos de curta e ligeira movimentação pélvica, ele esgueira-se de cima dela quase como que se desculpando. Como que encabulado por tamanho incômodo. Sensação ratificada com o maldito beijo na testa. Então Marcelo – sempre tão carinhoso – dá boa noite a sua amada e vira-se para o lado direito. Sempre fez questão de dormir desse lado da cama. Dá início então a sua longa noite de barulhentos sonhos. É bom que se diga que para as intimidades do casal estão reservadas as manhãs. Sempre as de domingo! Afinal a energia matutina não se compara a da noite, principalmente após um massacrante dia de trabalho. Mas essa noite foi especial. Talvez por culpa da considerável quantidade de vinho no jantar. Mudança na ordem natural das coisas – quebras de rotina desse tipo são muito saudáveis à vida conjugal! Ele já dorme. E lá vêm as mal fadadas lembranças... “Se eu pudesse dormir profundamente como você...” As coisas se diluíram bem mais facilmente para Marcelo. Ele parece não se perturbar mais com o ocorrido. Já para Ana o desprendimento não é o mesmo. O passado do qual ainda é escrava parece uma assombração. Numa ingênua tentativa de dormir, ela fecha os olhos. E então o rolo de fita começa a rodar; inclusive com incríveis recursos de cores, aromas e texturas...

"O ronco do motor. Ele acaba de chegar. Por dias a fio treme e se desespera quando ouve esse barulho. A não ser pela chuva torrencial que é capaz de sentir o cheiro - através da minúscula janela com barras no alto da parede -, tudo parece acontecer exatamente da mesmíssima maneira. Um som grave que termina bruscamente num gritar de pneus. É como se ele estacionasse sempre milimetricamente no mesmo lugar. E essa rotina, aliada à confusão mental de não saber há quantos dias está ali, a faz suspeitar que o dia estaria se repetindo. Em seguida as passadas. Como pisa forte esse homem! O par de coturnos que sustenta em torno de cem quilos, choca-se contra o assoalho de madeira, fazendo vibrar a lâmpada no alto da cabeça de Ana. O peito dispara. As pernas tremem junto com o teto. Mas há algo de especial hoje. É claro! Sua intuição berra que alguma coisa nova está por vir. Parece que os ponteiros enfim voltarão a caminhar. E considerando o olhar devorador que ele tem dispensado a ela ultimamente, não tem dúvidas de que se trata do pior. Um olhar suspeito que salta no capuz. Lá no fundo daquela pequena e expressiva íris castanha convivem, não tão pacificamente, fera e anjo. Em que pé estariam as negociações? Precisa o quanto antes estar longe desse olhar. As passadas ficam mais fortes. Ele desce as escadas que vão dar no quartinho de Ana. Uma cama pouco confortável. Colchão de mola. Lençóis e cobertores limpos. Uma mesa para as refeições. Um banheiro acanhado com um chuveiro e uma privada. A porta se abre. O olhar agora chispa em faíscas de um sentimento que ela não ousa admitir; e fixo em sua direção. Mais precisamente nos seios sobressaltados, que agora arfam apontados sob a camiseta branca de algodão. E depois desce esquadrinhando cada centímetro das coxas brancas e roliças. Suor. Pânico. A fera conseguiu enfim escapar das correntes de gesso. Nem tenta gritar. Aliás, seria impossível. Suas cordas vocais estão congeladas. Mesmo assim, junta toda a energia que lhe resta e num impulso salta da cama na tentativa de traspassar a muralha enraizada em frente à porta semi aberta. Tentativa tola... Só facilita o trabalho do seu algoz encapuzado. É presa pelos cabelos e arrastada até a mesa. Ao ser jogada de bruços, corta o lábio superior na madeira crespa. Sangue. Suor e saliva. Dentes são cravados no seu pescoço. Respingos de uma respiração quente. Sua dignidade vai sendo despudoradamente destruída por uma mão criminosa e investigativa que percorre sua carne por debaixo da camiseta. Os seios apertados com força. Sua intimidade vasculhada, com dedos intrometendo-se em suas entranhas como nem ela mesma fôra capaz de fazer um dia. Mais uma vez é arrastada. Atirada dessa vez na cama de molas. Num instante a camiseta é feita em pedaços. Os mamilos sugados raivosamente. E aquele olhar sob o capuz... Os braços presos no alto da cabeça. A outra mão - a que parece ter milhões de extremidades! - continua a enfiar-se onde não deveria. E combinações de dedos são experimentadas, beirando o que fisicamente pode parecer impossível. Dor. É que o terreno está sendo preparado. E ele chega! Rasga a carne...
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E a vergonha.
E o desespero.
E a revolta.
Soluços.
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E o desespero.
E a vergonha.
E a dor.
Soluços.
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E a vergonha.
E o desespero.
E o... prazer?
Soluços.
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E o desespero!
E a vergonha!
E a felicidade!
E o gozo...
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Por mais duas ou três vezes o encapuzado compareceu àquele quartinho. Logo depois Ana foi largada numa região desabitada. O dinheiro nunca foi pago. Marcelo foi demovido da idéia de procurar a polícia, pois temia represálias."

E no quarto do casal paira um aroma especial... E traquilidade. Nem mesmo o ronco apnéico de Marcelo a incomoda. Está tensa sim, é verdade, mas nas nádegas e coxas, que doem numa cãibra deliciosa. Sua mão, reaparece por debaixo do lençol e arrasta-se até o rosto do marido. Uma carícia na testa do esposo tão amado. Inicia-se um lento e reconfortante relaxamento. Seus músculos aos poucos vão ficando malemolentes. Como está feliz por estar de volta ao convívio familiar. E Marcelo enfim poderá ter companhia no seu sono profundo...
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EG

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