terça-feira, 21 de abril de 2009

Radinho de Pilha

Storyline

Edgar é um misterioso e atormentado proprietário de uma pequena venícola num vilarejo distante. É um homem pertubado por lembranças do passado e insatisfeito com seu presente. Mal humorado, alimenta uma raiva inexplicável pelo seu empregado, Fortunato, e pelo rádio que o mesmo carrega. Durante um período de safra ruim, no ápice de suas alucinações, se volta contra o empregado.

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1 - INT/EXT. PRISÃO - NOITE
Interior de quarto escuro. Por uma pequena abertura com grades, no alto da parede, uma fresta de luz prateada vinda do lado de fora ilumina parcialmente o semblante de um homem. Contorno do seu rosto. Ele está sentado, com o corpo encolhido. Tapa os ouvidos com as mãos. Seu olhar é distante e voltado na direção da luz. Ele está BARBADO. Seu nome é EDGAR.


EDGAR (VO)
Suportei por demais as provocações de Fortunato... Deus é testemunha... Não desejava seu mal! Pelo contrário! Mas fui um fraco diante da fúria que tomou conta de mim! Que o todo poderoso se apiede de minh’alma...

Do lado de fora do quarto, um bosque iluminado por uma lua cheia. Árvores gigantes, antigas. Barulhos típicos de florestas.
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EDGAR (em off)
Mas um momento! Não pensem que busco uma justificativa pro meu ato abominável! Nada disso! Sei bem o que me aguarda no juízo final...

Uma coruja num galho de uma árvore. Seus olhos grandes, fixos e brilhantes.

EDGAR (em off)
Pela divina misericórdia, que esse dia não tarde! O fogo do inferno será um grande alívio diante do terror que assombra meus dias e noites. E esse frio...

No fundo dos olhos brilhantes da coruja; uma lareira.
FLASHBACK

2 - INT. CHALÉ - NOITE
Chamas de uma lareira acesa. Som de estalos de madeira queimando. Edgar, um homem de quarenta anos de idade, vestido em roupas simples, SEM BARBA, está próximo à lareira, arrumando a brasa com um ferro comprido e fino. Ao redor da lareira, a sala de um pequeno chalé, com decoração rústica, sem luxos, mas aconchegante; construção típica de regiões serranas.

EDGAR (VO)
As coisas não foram nada bem esse ano. Uma floração terrível! Chuva, umidade. Granizo! Fungos! O maldito míldio... Deus queira que a sorte mude na colheita. Não reclamo da vida. Mas já houve épocas melhores... Pelo menos pras uvas...

INSERT

3 - INT. COZINHA - NOITE
Uma cozinha de fazenda, com fogão à lenha. Numa mesa de jantar de madeira, sentados um homem e um rapaz (por volta dos 15 anos). Uma mulher em pé, servindo uma sopa aos dois - fumaça. Uma garrafa de vinho e canecas. No centro da mesa, cesta com pães. A cabeceira é ocupada pelo homem (pai), de expressão rude; ao lado dele, o rapaz. Todos estão vestidos simplesmente.

RAPAZ
Mas meu pai, seria apenas por um semestre e...

O homem soca a mesa com força.
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HOMEM
Já disse que não! Quero você aqui pra colheita. Me ajudando! Logo agora que fomos abençoados com um ano maravilhoso! Esquece essa história de capital! ESSE AQUI é seu lugar. Assim como o meu, do seu avô, do seu bisavô... Estamos entendidos?

RAPAZ
Sim Pai.
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O rapaz baixa a cabeça e volta a comer calado.

Inicia-se ao longe uma música de rádio, tocando baixinho.
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FIM INSERT

Edgar pára de mexer na lareira e vira-se lentamente com expressão tensa. Som de uma música de rádio.
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EDGAR (VO)
Maldito imprestável!
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Após alguns segundos, um homem aparece na porta de entrada. Seu nome é Fortunato, mais velho que Edgar (por volta de cinquenta anos). É alto e forte, tem uma aparência rude e simplória. Sua expressão é de extrema humildade. Ele tira o chapéu. Traz um radinho de pilha na mão. O rádio toca baixinho uma música romântica.
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FORTUNATO
Boa noite Seu Edgar. Com sua licença. O Sr. pediu pra falar?

EDGAR (VO)
Ele e esse maldito radinho de pilha!!! Quisera eu que minhas uvas recebessem só a metade do zelo dedicado a essa porcaria de rádio!

Edgar caminha até uma bancada, pega uma garrafa de licor, enche um copo pequeno e bebe o líquido de um só gole.
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EDGAR
Sim Fortunato. Quero falar sim. É sobre a colheita.
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Edgar olha fixamente para o rádio que Fortunato segura.
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EDGAR (Cont.)
A propósito, quantas vezes já lhe alertei a respeito desse rádio?

FORTUNATO
Desculpa Seu Edgar.

Fortunato desliga o rádio.
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FORTUNATO (Cont.)
É que ta bem na hora do programa que eu mais gosto.

EDGAR
Fortunato, você vive no mundo da lua! As uvas lá fora, precisando de ajuda, e só o que você pensa é ouvir música!

FORTUNATO
Desculpa Seu Edgar, isso não vai acontecer mais.

EDGAR (VO)
Mequetrefe preguiçoso...

EDGAR
Fortunato, a colheita precisa começar amanhã pela manhã. Tudo que sobrou tem que ser colhido no mais tardar dentro da primeira quinzena. Isso se quisermos salvar alguma coisa.

FORTUNATO
Sim senhor, seu Edgar.

EDGAR
E os trabalhos vão ter que iniciar sem mim. Preciso ir até à vila, negociar com os comerciantes. Quem sabe consigo um preço justo... O valor do barril tá uma lástima.

FORTUNATO
Sim senhor, seu Edgar. Pode deixar que começamos amanhã cedinho.

EDGAR
Muito bem. Agora pode ir! É bom descansar pra acordar bem cedo. E Fortunato, veja se escuta o que eu digo e esqueça um pouco esse maldito rádio.

FORTUNATO
Sim senhor, seu Edgar. Boa noite e com licença.

EDGAR
Tá dispensado. Boa noite e que Deus lhe dê o sono dos justos.

EDGAR (VO)
Imprestável...
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Fortunato sai e Edgar fica em pé, observando sua saída. Enche outro copo da bebida.

Segundos após Fortunato ter deixado a sala, a música do rádio reinicia. Edgar faz uma expressão de desespero ao ouvir o som. Chamas da lareira.
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EG


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*Livremente Baseado no Conto "O Barril de Amontillado", parte do Livro Histórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe.

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