sexta-feira, 15 de maio de 2009

ANJO

* Nesse específico dia, especial, abro mão da tentativa insana de impessoalidade que busco com esse espaço, cinicamente disfarçada sob o manto sagrado da literatura (nem sempre tão disfarçada, nem sempre tão literatura assim, confesso... perdão deuses da prosa & verso por evocá-los tão pretensiosamente!) saindo um pouquinho do mundo dos sonhos e das trevas, pra compartilhar(?) "luminosidades" que ora me escorrem, em relação a um ser alado, que me protege, me aconselha, me salvou e ainda me salva a vida. Escancaro nesse momento meu diário virtual de cadeado e chavinha.. Registre-se!
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“Vá com Deus,
O amor ainda está aqui...
Vá com Deus...”


Lá pela trigésima vez que Roberta Miranda repetiu na casa do vizinho esse maldito refrão, minha calcinha molhou. Não senhores, não foi gozo. Foi a bolsa que estourou. Tamanha irritação. Resolvi checar se isso era normal, ligando pro meu obstetra. “Vem pra cá. E pode trazer as suas coisas”. Eu nem entendi muito, afinal era só uma molhadinha de nada. Minha mãe sim, se apavorou. No fundo tive até que agradecer ao vizinho corno e a Roberta Miranda - rainha dos caminhoneiros - porque já se passavam cinco dias da data que Dr.Pasqualette havia me dado pro rebento preguiçoso, digamos, rebentar, e nada... Mas onde estavam as tais contrações? Eu sempre via nas novelas e nos filmes nacionais mulheres urrando de dor. E pra mim, era como se eu fosse dar um passeio num samba na Lapa. Aliás, passei a gravidez inteira sambando – e trabalhando, e estudando e lavando roupa e preparando trabalhos de faculdade, etc. Vai ver não sou a típica fêêêmea de verdade, dada a ausência de dor. Fui tranquilamente tomar meu banho, lavar bem os cabelos – depilada eu já estava que não era boba de entregar minhas partes íntimas nas mãos daquelas enfermeiras facínoras! Ai delas que se aproximassem de mim com algum prestobarba! Aí sim eu urraria, mas de cólera. E nem pensar em fazer aquela maldita lavagem. Já fui logo avisando que havia passado o dia só com um café com leite. Não seria necessário aquele procedimento extremo! Minha mãe enxerida quis me desdizer na frente de todas, alegando que, no mínimo, tinha sido um prato de feijão com arroz. Lorota! Coisa de mãe sádica como a minha. Nada de lavagem e pronto! Bem, me arrumei toda e parti.

A clínica era pequena, aconchegante, meio escura, corredores compridos e silenciosos. Como uma espécie de mosteiro. Beeeem diferente das clínicas hiper modernas peri-hotel-spa-natal que o mulherio anda frequentando. Dizem que até sauna e serviço de maquiagem pra receber visitas esses lugares têm! Bem, preferi o simples, afinal, eu mesma nasci de parteira – Dona Flor, que Deus a tenha. Aguardei Dr. Pasqualette folheando placidamente uma revista na sala de espera. Ele chegou. Me encaminhou pro quarto e mandou que me preparasse. Humm, pensei... é chegada a hora então da alta produção. Dentro do quarto saquei um chinelinho fofo, umas três opções de camisolas lindas que havia comprado com tanto prazer. Eram até românticas, acreditam? Mas escolhi a mais sexy, porque não ia ficar bancando a senhora matrona só porque ia parir! Afinal, eu era muito moça ainda, nem vinte e quatro tinha! Segundo meu velho pai doutor, biologicamente a idade perfeita pra procriar. Quem sou eu pra contrariá-lo... Depois de maquiada - É! É isso mesmo. Passei até batom pra recebê-la com todas as pompas e circunstâncias e laçarotes - lá chegaram as facínoras pra me jogar um balde de água fria. Me fizeram vestir um camisão verde horrível, botar um chinelo medonho e uma toca ridícula. Insistiram com o tal do procedimento extremo que depois das minhas ferrenhas argumentações, foram obrigadas a desistir. Após examinada, a conclusão era que eu devia entrar na faca. Que coisa! Uma quase selvagem como eu não parir nem de cócoras, nem num parto humanizado, nem dentro de uma banheira, piscina ou de cabeça pra baixo (esse inventei agora) pra provar o quanto sou fêmea-mãe o bastante? Tsc, tsc, tsc. Decepção.

Fui colocada numa maca. Aí sim, confesso, a tensão começou. Era como se até então tudo não passasse de uma brincadeira, de preparativos pra uma festinha. Empurrada fui até a anti-sala de cirurgia. É estranho ser empurrada numa maca vendo o teto passar tão rápido. Meus dentes cameçaram a bater incontrolavelmente. Como se tivessem vida própria. Tremia. Na sala de cirurgia me colocaram uma coisa no dedão, ligada a um monitor. A anestesista, com uma expressão séria demais pro meu gosto, pediu pra que eu virasse de lado e não mexesse um músculo! A coisa ficou feia. Como assim não mexer um músculo?? Se eu tremia feito vara verde de tão nervosa. Mas vai lá, me imaginei numa cadeira de rodas sem meus movimentos do pescoço pra baixo caso algo saísse errado, e aí sim, consegui ficar realmente imóvel. Eita injeção chata. Daí foi tudo tranquilo. Parei de sentir minhas pernas, e o abdomêm também. Fui bezuntada de vermelho da cintura pra baixo. Um tecido branco foi colocado na minha frente, e começaram os trabalhos. Estava um tanto tonta, meio desfalecida, entre sonho e realidade. Não sei se por conta da injeção na espinhela ou por conta do cheiro da tinta vermelha. Embora não sentisse dor, pude sentir algo fino passando no meu baixo ventre, era a lâmina. Dr.Pasqualette, enquanto empurrava com o antebraço minha barriga, trocava comentários sobre a decisão do campeonato carioca com seus assistentes. Homens... E de repente ela chegou (Maio, 15 de 1994, às 2:00 da manhã), com uma boca que mais parecia uma caçapa de sinuca, se esguelando, como se quisesse engolir o mundo. Mas assim que deitou no meu peito, com aqueles olhos de pitanga esbugalhados, acalmou-se, e eu, desmoronei... Nunca imaginei que pudesse pertencer tanto assim a alguém, ou que alguém pudesse ser tanto parte de mim. Dr.Eduardo, o pediatra, já adiantou que seria uma jogadora de basquete, porque as mãos eram gigantescas. Nasceu com 52 cm e 3,720 Kg o meu rebento.

Hoje se passaram exatamente quinze anos. E ela é tudo que tenho. É quem me salva das mancadas. Quem me aconselha e me aponta o caminho certo. Do alto dos seus 1,70 de altura. Se andamos de mãos dadas - e mão dela continua enorme -, é como se ela me levasse. Estranho? Papéis invertidos? Pois é isso mesmo. Ela é minha segunda mãe, linda, e sábia. E eu sou sua filha. Não vai ter festa de quinze anos. Nem baile de debutantes como eu tive (arrgh, imposição da minha mãe). Pelo menos não vai correr o risco de vivenciar o que vivi no meu baile, quando toda emperequetada e paramentada de princesa olhei por um buraco na parede e vi meu velho pai no meio do salão com aquele terno horroroso de Didi Mocó, cheio de naftalina, que eu havia implorado pra minha mãe não deixá-lo usar. Quase morri. Whatever, agora acho graça. De qualquer forma minha jovem filha-mãe está acima dessas baboseiras de contos de fadas. Não é a princesinha que necessita de um baile e de um príncipe pra dançar valsa. É uma jovem mulher, que sabe o que quer desde do seu primeiro suspiro (diferente de tantas senhoras de trinta), e que, tenho certeza absoluta desde do momento que nos encaramos pela primeira vez, já tá circulando aí pelo cosmos há séculos, séculos e séculos. E só deu um descidinha aqui nesse planetinha estúpido, se sujeitando a viver ao lado dessa criatura insensata que vos fala, pra trazer um importante recado.

Elke Gibson
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Ao meu anjo da guarda.
Felicidades anjinho! Que você não canse tão cedo dessa loucura aqui embaixo, e passe pelo menos mais uns cem anos nos ensinando.

Um comentário:

  1. pode deeixar que ela vai dança valsa comigo... na rua! rsrs que nem no meu ela foi a cantora da minha valsa..
    Realmente minha amiga, sua filha, é especial, e sempre digo isso a ela, ela se destaca pra mim.
    Muito bom seu blog ;)
    muita paz, Kr!

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